Toda vez que se comemora o dia do trabalho me vem à lembrança a bomba que deu o maior chabu nos militares brasileiros: o caso do Riocentro. Quem estudou o golpe militar de 1964, observa, claramente (sic) que no caso Para-sar se planejaram ações criminosas cuja execução previa atentados a bomba e outras práticas terroristas que “propiciariam um clima de pânico e histeria coletiva”, consoante as palavras do Brigadeiro Eduardo Gomes (1896–1981). Assim, toda vez que se fala no plano macabro de Bumier há que se lembrar da bomba explodida no Riocentro, ampla área de estacionamento na Tijuca, no Rio. A explosão ocorreu dentro de um automóvel puma, na noite de 30 de abril de 1981, com a bomba no colo do Sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário, cuja morte foi instantânea. Ao lado do sargento, no volante, estava o Capitão Wilson Luiz Chaves Machado, o qual, ato contínuo, sai do Puma segurando vísceras à altura do estômago.
Em 1981, vivíamos, no Brasil, uma grande efervescência política, decorrente, dentre outras, das seguintes circunstâncias: os preparativos para as eleições gerais que teriam lugar em 1982 – as primeiras, depois de 17 anos, em que voltaríamos a eleger Governadores pelo voto direto – e para cuja realização estava em curso a reorganização partidária; esta, por sua vez, culminaria com a extinção da ARENA e do MDB e a subseqüente criação do PDS de José Sarney, do PMDB de Ulysses Guimarães, do PDT de Leonel Brizola, do PTB de Yvette Vargas, do PT de Lula e do PP de Tancredo Neves – este último, logo incorporado ao PMDB, ainda bem antes das eleições;
as expectativas para a sucessão do Ditador Militar João Figueiredo, a ser consubstanciado em eleição indireta, ao final de 1984, processo esse que, sem dúvida, seria fortemente influenciado pelos resultados de 1982.
Havia no Riocentro uma multidão de mais de 80.000 pessoas, assistindo a um show artístico em homenagem ao Dia 1º de Maio, Dia do Trabalhador. No momento da eclosão – 21 h20m – cantava Elba Ramalho. Só não aconteceram o pânico e a histeria coletivos porque o explosivo estourou no colo do sargento. O plano visava exatamente à multidão. Tanto que uma segunda bomba explodiu alguns minutos depois na casa de força do Riocentro. Sua carga não foi suficiente para afetar os dispositivos produtores da iluminação e o show continuou sem o público ficar sabendo do que se passara. É oportuno lembrar, a propósito, que os planos de Burnier, no caso Para-Sar, também incluíam destruição de instalações de força e luz.
Guilherme e Wilson chegaram ao Riocentro faltando dois minutos para as 21 horas. Estacionam o Puma chapa OT-0279. O comerciário Ferreira Ramos, diz ter certeza da hora exata porque já estava atrasado para o show e se confessa “um maníaco por horários”. No final do show, estarrecido ao saber da explosão, ele contaria seu encontro com os dois militares. Nos dias seguintes, porém, o comerciário passaria a fugir da imprensa para não falar do caso. Mas acabou depondo. Esse depoimento é importantíssimo porque revela que, no mínimo sete e no máximo doze minutos antes da explosão da bomba no colo do sargento, este e o capitão se encontravam no Puma, já que às 21 h15m/21 h20m, “o Capitão Wilson Luiz Chaves Machado liga o motor do seu automóvel, engata a marcha à ré e começa a sair da vaga onde estivera estacionado. Dentro do pavilhão de espetáculos, a cantora Elba Ramalho ainda não terminou seu número; distante dali, na bilheteria do estacionamento, Tenente César Wachulec está contrariado: além de ter sido afastado da chefia de segurança, ele constata que a Polícia Militar não enviou os soldados que havia solicitado. O pátio do estacionamento está despoliciado. O carro do Capitão Machado percorre poucos metros. Mal saiu da vaga e uma bomba explode em seu Interior”.
Aproximadamente vinte e cinco minutos depois, uma neta do Senador Tancredo Neves – Andréa Neves da Cunha, que acabara de chegar para o show, com seu noivo Sérgio Vali e – leva em seu carro o capitão para o hospital Lourenço Jorge. Mas os médicos preferem atendê-lo no Hospital Miguel Couto e o conduzem para ali. Apesar da gravidade dos ferimentos o capitão escapa. O pior de tudo foi à surrealista solução dada ao Inquérito Policial – Militar (IPM) instaurado para apurar o chamado “Caso Riocentro”, que ocorrera em 30 de abril daquele ano;
Por isso, mais do que nunca, lembrar é preciso, de modo que não se repitam no futuro atentados como este e outros tantos, que sacudiram o Brasil durante aqueles tristes “anos de dinamite e rios de sangue”.
*Marco Antonio Poletto é Gestor no Tribunal de Justiça, Historiador, Articulista e Animador Cultural