Existe um despertar romântico e saudosista no homem que valoriza a maior de suas origens: sua terra natal. O brasileiro nem tanto. O brasileiro não é assim. O brasileiro, às vezes, é menos brasileiro que o estrangeiro que vem morar no país.
Há uma cultura de vira lata na personalidade do brasileiro que considera ufanista e demagoga qualquer expressão de bairrismo. Tanto que, de um modo estúpido e sem qualquer explicação que me convença, o termo bairrista ganhou ares pejorativo. A própria definição já é um erro. O bairrismo defende os interesses do bairro ou de sua terra tanto por atitudes de defesa exacerbada de suas alegadas virtudes, ou, por analogia, da terra natal de alguém. Aqui não. Aqui o bairrismo está vinculado a uma visão estreita de mundo que menospreza tudo aquilo que vem de fora. Raramente o bairrismo é encarado como uma atitude positiva e orgulho por uma região. Somos uma nação relativamente jovem. São 500 e poucos anos de descoberta. Mais uns quase 200 de independência. Nosso processo de independência — assim como a instalação da monarquia — é recheado de história de covardia, explorações e fugas. Alguns diriam que não há do que se orgulhar. O erro está justamente aí. Uma nova história não se escreve sem a defesa do conceito e orgulho de uma nação. Há valor nos patriotas, Brizola era quem sabia dessas coisas. Foi um grande nacionalista.
O patriotismo consiste em saber que os erros ou falta de atitude do passado não deve comprometer os anseios do futuro. A história se reescreve diariamente, tornando tolo aquele que aponta as exibições de paixão pela terra como babaquice. Infelizmente a tal babaquice está próxima das definições de patriotismo no nosso país. O Brasil via seu derivado, o brasileiro, é um país em que a paixão pelas cores existe, com o perdão do clichê de definição, de quatro em quatro anos. Fora dessa época, uma bandeira na janela ou adesivo no carro é visto com estranheza pelo seu próprio povo, quando, na verdade, devia ser prestigiado. Atitudes de exibição de amor pelo país não existem porque as pessoas têm vergonha. E elas têm vergonha porque são acusadas de hipócritas.
Hoje, o golpe de estado aboletou-se no Brasil, assentado sobre um colchão de mentiras ardilosamente costuradas para iludir a boa fé de uma classe média desinformada, aterrorizada por perversa lavagem cerebral da mídia golpista, que antevia uma “invasão vermelha de corrupção”, quando o que, de fato, hoje se sabe que, com a assunção de Temer ao governo através de um golpe, o Brasil passou a ser governado por uma quadrilha. O golpe foi uma trama inescrupulosa que envolveu muitos lírios perfumados, mas, como escreveu Shakespeare, “os lírios que apodrecem fedem mais do que as ervas daninhas”.
Da mesma forma que amo meu país, amo minha cidade. É claro, nasci aqui e, apesar de ter passado boa parte de minha vida como cidadão do mundo (é aquela velha máxima de nunca se sentir “nativo” de lugar nenhum) sei muito bem da importância de valorizar essa cidade. Por coincidência ou não, essa identidade faz com que a gente se aproxime sempre de pessoas que também tem muito amor e tem a cara de nossa cidade. É por isso que temos que fazer todos os dias uma declaração de amor a Jales. Mas, escrever sobre Jales é uma temeridade. É um teste de múltiplas escolhas. Do que escrever? Escrever sobre a Jales dos nossos sonhos? Sobre a cidade surpresa? Sobre a saudade de uma Jales – Centro de Região? Sobre os sons, os sabores, a sofisticação, os sotaques da cidade?
Para quem escrever? Para aqueles que também amam Jales… “Só quem ama é capaz de ouvir e entender estrelas”, como disse o nosso Olavo Bilac. Como escrever? Com emoção, expressando sentimentos que “pegam” no dia-a-dia? Com objetividade, apenas narrando? Com tristeza da sua estagnação? Com saudades, mas não saudosismo?
Vamos lançar aqui, hoje, neste espaço uma campanha de valorização de nossa cidade: “Quem vive aqui aprende a amar, contemplar Jales a todo instante, integralmente, desde os primeiros raios de sol até sempre. Sentir suas formas, linhas e entrelinhas, seus caminhos, gestos, seu jeito, seu abraço, seu cheiro”.
Acredito que está sendo implantado em Jales um governo sério. Governo sério, como todo mundo sabe, tem que fazer parte do esforço de organizações e indivíduos, para uma nova forma de participação política, ou seja, uma participação de baixo pra cima, por todas e todos que sentem diariamente as dores de se viver numa realidade de injustiças, miséria e discriminação, mas também de esperança e força de vontade para mudar desde agora as condições que nos cercam e as relações que nos tocam.
Uma proposta séria tem que somar as entidades, grupos organizados ou não e todos aqueles que têm interesse em mudar, para melhorar nossa cidade. Temos sim, que ser regidos por certos princípios como: horizontalidade, democracia direta, autonomia e igualdade. Assim vamos iniciar nossa caminhada em favor de nossa cidade escutando as queixas do povo, suas angústias, apreensões, partilhando com ele as suas necessidades. Desta iniciativa vamos colher, além da magnífica experiência, os pontos de um programa verdadeiramente popular. Construído a partir da base da sociedade Jalesense, daquela que produz as riquezas, com amparo na consistência dos fatos e na opinião de quem de fato trabalha. Um programa tanto mais forte por não ter nascido de uma “única mente”, de uma idéia individual, mas da longa experiência de reflexões. Baseado no acúmulo dessas experiências, parte da nossa identidade pode ser construída com ajuda da cidade que nos permite ser quem a gente é, seja aquela na qual estão nossas origens e raízes, seja aquela onde moram nossos sonhos e possibilidades sem fim.
O lugar onde moramos nos modifica a todo o instante, assim como, cada um de nós, tem o mesmo direito e dever sobre ele. E transformar, assim como se deixar transformar, faz a nossa relação com a cidade ser uma história de amor.
Venha!!!!!!!
PS. Caixa 2… Elio Gaspari é mais um que põe o dedo indicador na ferida aberta: criar um “fato alternativo” para absolver o caixa 2 agora significará assumir desde sempre que houve, sim, uma corrida para solapar o PT e petistas. Agora, mudam-se regras e entendimentos porque o rubicão se aproxima da plutocracia. O cinismo e a hipocrisia não podem vencer. É a velha máxima: ou se moraliza tudo, ou nos locupletemos todos.
(*)Marco Antonio Poletto é gestor no Poder Judiciário, Historiador, Articulista e Animador Cultural.