Um dos casos mais rumorosos da justiça em Jales e de maior repercussão político-administrativa, o da Farra no Tesouro, pode finalmente ser julgado no começo do ano que vem, depois do recesso de fim de ano. A pausa está marcada para começar em 20 de dezembro de 2021 e perdurar até o dia 1º de janeiro de 2022. A expectativa é da defesa da principal envolvida, Érica Cristina Carpi Oliveira. Também são corréus no caso, o seu ex-marido Roberto Santos Oliveira, sua irmã Simone Paula Brandt, e seu cunhado Marlon Brandt dos Santos. Outra irmã, Rosimeire Carpi, também é apontada como partícipe em outro processo.
Roberto era dono de lojas de calçados em Jales e Santa Fé do Sul, onde parte do dinheiro desviado foi aplicado. Simone e Marlon administravam uma loja do grupo em Santa Fé do Sul, para onde também foi outra parte. Rosimeire teria “alugado” uma conta bancária para que Érica fizesse movimentações de quantias desviadas.
Até meados de 2018, Érica era contadora da Prefeitura de Jales e foi acusada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público de ter desviado mais de R$ 9,2 milhões dos cofres do município, especialmente da Secretaria da Saúde.
De acordo com o advogado Carlos de Oliveira Melo, um dos dois defensores de Érica, algumas audiências de instrução para coleta de depoimentos de testemunhas e para interrogatório dos réus foram realizadas nas últimas semanas, restando poucas audiências (uma ou duas) para o desfecho do caso.
“Ela está em liberdade e até hoje não houve nenhuma sentença. Acho que no começo do ano que vem devemos ter as sentenças, logo depois do recesso do Judiciário”.
Perguntado sobre a expectativa do resultado, Carlos Melo disse esperar que se faça justiça.
“A expectativa é que seja um julgamento justo, na medida daquilo que foi cometido por ela. Entendemos a posição do MP e discordamos de algumas alegações, mas vamos demonstrar isso nos autos”.
Independente do resultado, a ex-contadora da Prefeitura ainda terá que se sentar muitas vezes no banco dos réus. Pesquisa no sistema do Tribunal de Justiça de São Paulo mostra que Érica responde a vários processos na área cível e criminal, entre eles, uma Ação Civil Pública por Enriquecimento ilícito; uma Ação Penal pelos crimes de “Lavagem” ou Ocultação de Bens; além de três ações de despejo por falta de pagamento.
Gustavo Baldan, que também defende Érica, explicou que primeiramente deve ser julgado o processo nº 1009816-10.2019.8.26.0297, que ela reponde junto a irmã, Rosimeire Carpi. A denúncia é de 17 de dezembro de 2019 e o valor da ação foi estipulado em R$ 214.998,56.
De acordo com esse processo, Érica teria usado a conta bancária da irmã para movimentar o valor que teria sido desviado das contas da Prefeitura de Jales no período de janeiro de 2013 a dezembro de 2016. Segundo o Ministério Público, a irmã de Érica passou o cartão e a senha para que a então tesoureira movimentasse a conta e, em pagamento pela cessão da conta, recebia uma comissão que variava de R$ 2 mil a R$ 3 mil.
De acordo com o TJ-SP, especificamente nesse processo, foram marcadas três audiências. A última, de Instrução, Interrogatório, Debates e Julgamento, no último dia 22 de novembro. Porém, segundo Baldan, as partes concordaram em adiar o desfecho para depois do recesso, uma vez que a audiência estava se prolongando por muito tempo. A fase é de alegações finais.
O processo principal também está na fase final de audiências e deve ser julgado no primeiro bimestre de 2022.
A defesa não acredita que a ex-contadora seja presa, mesmo em caso de condenação em primeira instância. Informalmente, há uma máxima entre os operadores do direito que diz que “preso está, preso fica. Solto está, solto fica”.
Mas Baldan diz que não existe essa regra. Porém, não há, no seu entendimento, nenhum fato que enseje a prisão. Atualmente, Érica Cristina Carpi mora em Piracicaba, tem emprego e residência fixa. “Não que isso seja uma regra. Tudo depende dos motivos da prisão, mas como não tem notícias de alguma modificação [na situação da ré] ela poderá recorrer em liberdade e tem a questão da segunda instância e de que somente depois do trânsito em julgado é que ela cumpriria a pena. Antes, não temos expectativa de prisão, não”.
HISTÓRICO
Os processos que serão julgados no começo do ano são desdobramentos da operação “Farra no Tesouro”, deflagrada em 31 de julho de 2018, que pôs fim há anos de desmandos da quadrilha que fez centenas de desvios financeiros para contas da contadora e de seus familiares.
Naquela manhã de terça-feira, 50 policiais federais cumpriram cinco mandados de prisão temporária e treze mandados de busca e apreensão expedidos pela 5ª Vara da Justiça Estadual de Jales, com parecer favorável do Ministério Público Estadual. Familiares da servidora (marido, irmã e cunhado), além da secretária municipal de Saúde, também foram presos temporariamente. A secretária foi solta no mesmo dia.
As investigações da PF começaram no início daquele ano, a partir de informações recebidas pelo núcleo de inteligência, que relataram uma verdadeira “farra” que estava ocorrendo nas contas da Prefeitura Municipal de Jales há vários anos. Érica Cristina Carpi era a mentora dos desvios. A sua trajetória no serviço público é nebulosa e com pontos até hoje não esclarecidos.
Ela foi contratada em 2005 (à época com 21 anos) para trabalhar sem concurso público na Prefeitura de Jales, onde trabalhou por 13 anos até a data da prisão. Em julho de 2017, após questionamento do Ministério Público Estadual de Jales, a tesoureira foi demitida pelo então prefeito Flávio Prandi Franco, mas readmitida novamente no mesmo dia, porém, em cargos diferentes. Para a PF, ela foi demitida do cargo de Tesoureira e recontratada como Diretora Financeira, para burlar a recomendação do MP, pois este cargo não exige que seja ocupado por servidor efetivo.
Em depoimento, Érica disse que começou com pequenas quantias, mas a falta de qualquer fiscalização a incentivou a aumentar os desvios até o montante milionário.
Somente nos dois últimos anos em que esteve à frente dos cofres da Prefeitura, ela teria desviado aproximadamente dois milhões de reais. A PF confirmou que, somente em um período de seis meses, ela desviou aproximadamente um milhão de reais, em benefício próprio ou das empresas do marido. A tesoureira emitiu cheques da Prefeitura, pagou boletos bancários das empresas do marido e até transferiu valores diretamente das contas da Prefeitura Municipal, principalmente da área da Saúde, em benefício próprio, de seus familiares, fornecedores pessoais e das empresas de seu marido.
Os valores milionários desviados foram ocultados pela tesoureira e seu marido em bens móveis e imóveis, além de financiar as empresas que foram abertas nas cidades de Jales e Santa Fé do Sul.
A PF localizou cheques emitidos a débito da conta da Saúde da Prefeitura Municipal, assinados pela tesoureira e pela Secretária da Saúde, tendo como beneficiários boutiques de grife, lojas de joias, salões de beleza, lojas de decoração, salões de festas, buffet, arquitetos, clínicas de estéticas, móveis planejados, dentre outros.
Matéria publicada neste semanário em agosto de 2020 e assinada por Valdir José Cardoso, informou que entre 2012 e 2018, Érica fez 145 transferências de contas da Prefeitura para a conta de sua irmã, Simone, num total de R$ 505,5 mil. Outras 107 transferências, num total de R$ 350,8 mil, tiveram como destinatário o cunhado Marlon, enquanto o então marido, Roberto, foi beneficiado com 218 transferências, que somaram R$ 1,3 milhão. O maior número de transferências – 254 – foi feito para contas da própria Érica, mas o valor (R$ 882,1 mil) ficou bem abaixo do que ela transferiu para Roberto.
Embora a própria Érica tenha confessado que começou a desviar dinheiro entre 2008/2009, as apurações da Polícia Federal e da Sindicância Interna mencionam apenas os valores desviados a partir de 2012. Naquele ano, apurou-se o desvio de R$ 385 mil, valor que quase dobrou no ano seguinte, 2013, quando foram desviados R$ 691 mil.
Nos dois anos seguintes, os desvios aumentaram para R$ 1,357 milhão (2014), R$ 1,742 milhão (2015), R$ 1,987 milhão (2016) e R$ 1,975 milhão (2017). O maior desvio ocorreu, portanto, em 2016, mas esse valor poderia ter sido ultrapassado em 2018, caso a Polícia Federal não tivesse deflagrado a “Operação Farra no Tesouro”.
Em apenas seis meses daquele ano, Érica e os parentes já tinham desviado R$ 1,109 milhão até o início de julho, quando a PF desencadeou a operação.
CULPADOS
O escândalo motivou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara Municipal e uma sindicância interna na Prefeitura. Diversos servidores foram afastados ou transferidos de suas funções.
O prefeito da época, Flávio Prandi Franco, que atualmente é assessor do deputado Carlão Pignatari, foi apontado como negligente sobre a estrutura funcional da secretaria e ignorou avisos feitos pelo controlador interno do município.