O modelo de ensino dos cursos de medicina deve ser impactado de forma definitiva no pós-pandemia. Os conhecimentos, atitudes e práticas dos estudantes da área de saúde precisarão ser reforçados pelas instituições educacionais nesta próxima década.
Se nos últimos 10 anos a formação em medicina já concebia currículos para abordar as principais causas de morbilidade e mortalidade nas suas comunidades, o coronavírus trouxe clareza e urgência à este propósito e será um catalizador para a transformação da educação médica.
Os educadores reconhecem que a força de trabalho médico necessária para o século 21 não só deve abraçar as competências duradouras de profissionalismo, atendimento aos pacientes e responsabilidade pessoal, mas deve também focar em novas competências que serão mais adequadas para enfrentar os desafios imprevisíveis da saúde.
Especialistas em educação médica do Brasil e do mundo já começaram a discutir os aprimoramentos necessários para que os futuros médicos estejam mais preparados para lidar com desafios como este, que ultrapassou os limites da profissão.
Medicina Baseada em Evidência (MBE)
O presidente da Comissão de Graduação da Faculdade de Medicina da USP, Milton de Arruda Martins, reconheceu publicamente, em eventos sobre o tema, que o currículo passe por reformas para valorizar mais, entre outros pontos, a Medicina Baseada em Evidência.
“Não é só a hidroxicloroquina, mas a gente tem de insistir no desenvolvimento do pensamento crítico. É importante sempre pensar, refletir sobre o que está fazendo, não só em relação à prescrição de medicamentos. O ensino médico pós-pandemia vai ter de ser aperfeiçoado, e o mundo inteiro está discutindo isso. Os cursos de medicina após a Covid-19 não devem ficar iguais, por melhores que fossem antes da pandemia”, declarou Martins.
Já o professor de Medicina Baseada em Evidências da Escola Bahiana de Medicina, Luis Cláudio Correia, disse que o problema não está apenas na cultura médica, mas na sociedade como um todo.
“O paradigma da Medicina Baseada em Evidência é bem reconhecido pela classe médica, mas é relativamente recente e ainda está em evolução. Numa situação como essa da pandemia, fica evidente que ainda é uma coisa sendo implementada. E é claro que o ensino pode ser aprimorado, ser mais enfatizado. Mas tem de ter também uma evolução cultural da sociedade. Um evolução em prol da racionalidade, contemplando a ciência como pilar importante na tomada de decisão”, defende Correia.
A definição mais citada em artigos científicos sobre Medicina Baseada em Evidência é “o uso consciente, explícito e judicioso da melhor evidência clínica disponível ao tomar decisões sobre o tratamento de um paciente”.
Alguns métodos inovadores de treinamento para profissionais de saúde vieram para ficar
Como a resposta à pandemia Covid-19 restringiu as atividades pessoais, as escolas de medicina tiveram que inventar novas maneiras de educar. Alguns desses métodos inovadores podem ter um poder de permanência que vão muito além da pandemia, remodelando a forma como os médicos de amanhã serão treinados.
Além de concentrar esforços no conhecimento científico, o futuro da formação superior em medicina poderá incluir a adoção de modelos híbridos de ensino, com uma parte do curso a distância – até antes da chegada do novo coronavírus, este recurso não era cogitado para a graduação na área médica.
“Com a suspensão das atividades presenciais, uma parte das escolas médicas adotou o ensino remoto. Isso nos trouxe aprendizados de que podemos ter uma parte da formação remota”, explicou Nildo Alves Batista, presidente da Associação Brasileira de Educação Médica.
Nova ênfase na pesquisa e na saúde pública
O surto mundial da Covid-19 destacou a incrível importância e o valor da pesquisa biomédica, à medida que a busca pela cura, por novos tratamentos e pela vacina se tornou urgentíssima. Realmente, este entrosamento de profissionais de diversas áreas envolvidos para entender e desenvolver abordagens para tratar o SARS-CoV-2 não demonstra apenas uma eficácia imediata, mas também as muitas possibilidades de prevenir e vencer futuros agentes infecciosos.
Em resposta à pandemia COVID-19, as escolas médicas criaram disciplinas eletivas, dando aos estudantes de medicina a chance de se envolver com a resposta da saúde pública. Os alunos também serviram como embaixadores, baseados em evidências, para a população em geral.
A parceria entre os sistemas de saúde e os profissionais da área foi fortalecida pela pandemia. Agora não se trata apenas de um médico pesquisando ou operando sozinho – para resolver um problema que afeta a comunidade é preciso reunir os esforços de médicos, enfermeiras, pesquisadores, especialistas em saúde pública, especialistas em políticas, entre outros profissionais.
A pandemia, de fato, aumentou a consciência sobre o importante papel da saúde pública na medicina. Obviamente os médicos sempre souberam que saúde pública e prevenção são essenciais, mas os laços estreitos entre saúde pública e medicina agora são protagonistas.