Terça-feira, Novembro 26, 2024

Saudades da famosa cachoeirinha

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Uma das maiores gratificações que um articulista recebe, sem dúvida, é a interação dos leitores. Tenho recebido e-mails, ligações e recados pessoais de vários leitores deste jornal, a respeito de meus artigos que, pelas minhas contas, já passaram dos trezentos.

    Na semana passada, cobraram-me, sem identificação, um artigo a respeito da cachoeirinha, símbolo maior, segundo eles, da degradação ambiental do entorno de Jales. Quem não se lembra da cachoeirinha, referência muito forte de muitos jovens, porque área de lazer favorita de várias gerações. Quais jovens e crianças não frequentaram a cachoeirinha desde a fundação de Jales até o final dos anos 70? E, hoje, vamos falar, talvez pela primeira vez, com ênfase, da questão ambiental no município de Jales que está muito longe de ser classificada como calamidade pública em matéria de poluição, mas não cuidou, adequadamente, do meio ambiente. Nossos córregos tornaram-se fios d’água e alguns até secaram. A preocupação de manter intacta a mata ciliar de nossos cursos de água não foi predominante no espírito de nossos homens públicos. Mas sempre é tempo de pensar e repensar a questão ambiental e Jales não pode além de seu modesto crescimento socioeconômico, enveredar pelo caminho das estatísticas de cidades problemas na questão da sustentabilidade.

    A cachoeirinha, na foto acima é a imagem que faz chorar os rostos que se esbaldaram de sorrir em seu passado.

    A Jales de hoje tem centenas de piscinas particulares, e até piscinas competitivas em clubes e associações. Quando se chega a Jales, por via aérea, avistamos maravilhosos retângulos azuis, pela cidade inteira. É uma alegria moderna saber que no calor imenso de nossa querida cidade, muitas famílias (uma minoria, infelizmente) têm onde se refrescar, sem sair de seu próprio quintal.

    A primeira piscina que se tem notícia em Jales, foi a de Flavinho Ferraz que ficava na Rua Onze, esquina com a Rua Seis. A piscina de Flavinho Ferraz não tinha tamanho oficial, nem acabamento convencional. Lembrava um grande tanque, enterrado no chão. Os amigos de Flavinho Ferraz chamavam sua “piscina” de banheirão.

    Fundada em 1941, Jales só veio conhecer uma piscina modesta, dezessete anos depois. Embora derretendo no calor, só restavam os córregos limpos e caudalosos que cortavam a zona rural de Jales em todas as direções. Inclusive, Euplhy Jalles teve o cuidado de desenhar o traçado da área urbana sem córregos em seu interior, mas margeando as extremidades. Uma cidade sem pontes, mas muito próxima dos córregos!

    Os clubes existentes na cidade (Associação Esportiva Jalesense, até o começo dos anos sessenta), Nipo-Brasileira (anos cinquenta em diante e até hoje), Grêmio, depois o Tênis Clube, só tinham sede social, para bailes, formaturas, reuniões, palestras e casamentos. Somente após 1964, com a fundação do Clube do Ipê, a população de Jales tem sua primeira piscina de grande dimensão. Aliás, população não, apenas os associados do Clube do Ipê que, infelizmente, hoje, está agonizando.

E durante 23 anos (1941/1964), como é que a população de Jales caiu na água, para se refrescar? Em casa, o povo só tinha a opção do chuveiro doméstico, para ver a cor da água. Como o chuveiro elétrico era uma raridade na Jales pioneira, o banho era no “Chuveiro Tiradentes”, erguido por uma corda, na carretilha, lembrando um patíbulo de enforcamento. Quem não gostava de banho frio, aquecia a água no fogão de lenha, acompanhando a fervura para deixar no “ponto” preferido de temperatura. O chuveiro ficava no chão e, após receber a água, era erguido até uma altura conveniente para o heroico banhista. Um dispositivo era acionado e descia aquele turbilhão de água. Tomar banho era quase um ritual de solenidade. Puxar água da cisterna, através do sarilho. Depois, aquecê-la, em fogão de lenha, aspirando fumaça que irritava os olhos e garganta. Em seguida, colocar a água no chuveiro e suspende-lo, puxando a corda com força máxima, exigindo dispendioso esforço. Haja vontade de tomar banho!

    Além do banho doméstico, sofrido, mas refrescante, tínhamos a famosa Lagoa Santa, no município de Itajá, divisa de Goiás com Mato Grosso do Sul. Nos finais de semana e feriados a família jalesense se deslocava em massa, principalmente em cima de carrocerias de caminhão para a famosa Lagoa Santa. 

As margens dos Rios São José dos Dourados, Grande e Paraná, também eram muito frequentadas pela família jalesense nos finais de semana. As piscinas ainda eram um eterno sonho de verão! 

Lazer em beira de córregos ou rios na Jales pioneira era um direito masculino. Moça de família era educada para casar. E beira de água só com os pais, avós, irmãos e o cachorro da família. Sozinhas, só no “fute”, horário rígido para voltar e no começo do namoro o pobre rapaz tinha que carregar “vela”, ou seja, passear com a namorada levando a irmã em anexo. Um sufoco dos diabos!.

Era realmente um delírio da alma saber que todos os córregos, próximos da “ vila “, aguardavam a visita da “molecada” ! Criança do sexo masculino nunca foi muito reprimida na Jales antiga. Pela manhã, escola. Almoço leve (para não dar “congestão”, dizíam, sem saber o que era isso). E lá pelas duas horas da tarde, pé na estrada. Todo mundo descalço, calça curta e a maior conversa fiada do mundo.

     Tinham opções em todos os pontos cardeais de Jales. Na rápida reunião de partida, alguém perguntava o para onde vamos hoje? Uma rapidíssima discussão (máximo dois minutos) resolvia o problema:

– Vamos ao Cipozinho hoje, perguntava alguém e alguém respondia que esteve no cipózinho no dia anterior e estava muito sujo. Eles mudavam logo a direção e a sentença era decretada:

–  Então vamos ao Retiro do Euplhy, porque o retireiro está na cidade e   acabei de vê-lo entrando na Casa Portuguesa.  E a molecada toda ia em direção ao Retiro do Euplhy. Como havia período de colheita desta ou daquela fruta, muitas vezes o critério era o caminho de frutas silvestres maduras (pitanga, gabiroba, marmelo, carambola, cajá-manga, ingá, jatobá, macaúba, tamarindo, coquinho, amora, goiaba, etc.), abundantes e fáceis de serem “apanhadas”, como diziam.

Para fazer uma política de boa vizinhança eles levavam um embornal (que chamavam de “bornal”), para trazer frutas na volta da “natação”. Aquele embornal cheio de frutas era o salvo conduto para valorizar o lazer, reduzindo o estresse com os pais, nervosos com a sempre repetida demora. O medo de afogamento, coisa rara, porque a molecada era esperta, e os córregos, bem limpos e comportados, era o grande problema das famílias. Excetuando esse complicador, nadar nos córregos, verdadeiras piscinas particulares das crianças jalesenses, era o melhor lazer do mundo.

Os mapas da felicidade continham a rota prioritária da Cachoeirinha, Ribeirão Lagoa, Ararinha, Marimbondinho, Retiro do Euplhy e o imbatível Cipózinho, além de todos os demais cursos d’água que circundavam a pequena cidade de Jales.

    Alguns proprietários rurais das áreas de melhores córregos para a natação, não gostavam muito da presença da molecada. Argumentavam que eram predadores, sujavam a água, faziam barulho que espantavam os peixes, provocavam erosões nos barrancos e mais um rosário de críticas. Recorriam a diversos mecanismos repressivos para espantá-los. Alguns, bem humorados, outros, violentos e até de alta periculosidade.

A mais temível represália era o tiro de sal na bunda. Uma maldade indescritível, porque, além da dor quase insuportável, deixava como sequela enorme ferida. O mais temido expediente bem humorado era sumir com as roupas, porque a molecada nadava pelada, e, sem roupa, como voltar para casa? Difícil dizer qual maior humilhação: tomar o fatídico tiro de sal na bunda ou voltar pelado para casa!

    Muitos viveram a humilhação de voltar pelados para casa. A saída era esperar a noite cair e voltar driblando as pessoas, escondendo-se atrás de árvores, embaixo de caminhões parados, passando por terrenos baldios ou matagais, enfim, uma longa caminhada. Pelo que nos contam, poucos escaparam de voltar pelados para casa.

    A poluição chegou a nossos córregos, na mesma proporção que as matas ciliares desapareceram. A cachoeirinha, nosso símbolo e orgulho de infância de muitas crianças, deve chorar a tristeza de ter sido violentada pelos predadores da natureza, principalmente pelos homens públicos que tiveram o poder na mão para defender os cidadãos, a lei e a natureza.   O maior sonho de infância, daquela molecada era um clube popular na Cachoeirinha cenário majestoso de beleza, porque na época a mais linda paisagem de Jales. A cachoeirinha era pequena, mas era nossa Foz do Iguaçu! Jales ouviu, em seus primeiros anos, o majestoso canto da cachoeirinha. Será que ainda poderemos ouvi-lo novamente? Muitas saudades daquela cachoeirinha. Mas, e se no lugar daquele emocionante canto de alegria, ouvir apenas suas lágrimas de tristeza?

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