No fim da tarde de sábado, 4 de fevereiro, dois moradores de rua que adotaram o coreto da praça João Mariano de Freitas, no centro de Jales, como moradia chegaram às vias de fato e entre uma agressão e um xingamento, um deles desferiu uma facada na perna do companheiro. A vítima é conhecida como “Zuis” e foi atendida por socorristas do SAMU. O agressor fugiu, mas foi capturado pela PM e levado para o Plantão Policial. Na noite anterior, o grupo já tinha se desentendido e trocado agressões. Inicialmente, a polícia apurou que o motivo de tanta desavença era uma disputa por espaço no coreto, que, por sinal, não pertence a eles, mas à toda a população.
A ocorrência que começou como uma briga banal e quase se transformou em homicídio é apenas a “ponta do iceberg” de um problema antigo que se agrava a cada dia.
A reportagem esteve no local na manhã de terça-feira, dois dias depois da briga, e constatou que os moradores de rua simplesmente invadiram e se apossaram do coreto. Há colchões, cobertores, travesseiros, utensílios domésticos, garrafas de pinga, engradados de cerveja, e até um pequeno armário. Os objetos pertencem a um grupo de cerca de cinco desocupados que usam o local, não apenas como dormitório, mas como moradia permanente.
Alguns têm família e residência, mas preferem viver nas ruas. Todos são viciados em álcool ou outras substâncias. Durante o dia, os desocupados perambulam pela praça, pedindo esmolas, catando recicláveis e ingerindo bebidas alcoólicas. As necessidades fisiológicas são feitas no banheiro que fica sob o coreto da praça.
Nenhum cidadão consegue se aproximar do coreto da praça sem ser importunado. Até as autoridades precisam pedir autorização, se quiserem realizar uma cerimônia, exposição ou feira.
COMÉRCIO PREJUDICADO
Três comerciantes visitados reclamaram da presença dos andarilhos que importunam clientes e fazem os mais diversos pedidos. A proprietária de uma banca que funciona há anos na praça disse que os desocupados costumam ir ao estabelecimento diariamente pedir papel sulfite para fazer cigarros. Provavelmente de maconha. Como se não fosse o bastante, eles costumam permanecer no local “falando bobagens e abordando os clientes”.
Proprietária e funcionárias de uma loja de presentes que fica em frente à praça também temem a presença dos desocupados. “Nós mantemos a porta fechada por causa deles”. Geralmente, em ocasiões especiais, quando a loja fica aberta até mais tarde, os andarilhos ficam à espreita para abordar os clientes. Sem cerimônia, já pediram até colaboração para a cesta de Natal.
No hotel, que funciona no mesmo lugar, o temor é quanto à chegada e saída de hóspedes que sempre são abordados. A notícia de que um dos andarilhos feriu o outro com uma faca aumentou a incerteza sobre a segurança de quem entra e sai.
Apesar da aparente tranquilidade dos frequentadores, alguns transeuntes também se mostraram indignados com a perda do coreto para os desocupados. “Daqui a pouco, eles vão colocar uma placa com número e vão pedir pizza porque aquilo já virou a casa deles”, disse uma mulher.
“Nós ficamos cada dia mais preocupados, mas eles estão tranquilos. Têm água gelada no bebedouro, usam o banheiro e tem até tomada com energia elétrica no coreto. O que eles vão querer mais?”, indagou o funcionário de um estabelecimento.
“Eles estão morando no coreto desde o ano passado. Foram chegando de mansinho e começaram a dormir. Depois trouxeram colchão. Como ninguém fez nada, eles estão cercando. Daqui a pouco vão trazer fogão e televisão”, previu uma comerciante.
Prefeitura se diz “incompetente” e polícia promete agir
O que mais indigna é que as autoridades que poderiam fazer alguma coisa, simplesmente ignoram o problema. A prefeitura, responsável por zelar pelo patrimônio público, conhece a situação, mas se diz incompetente para retirar os mendigos de lá. “Sinceramente esse problema não tem solução. Eu me sinto incompetente para resolver esse problema”, disse o secretário de Administração Francisco Melfi.
Segundo ele, moradores de rua não ficam apenas na praça, mas perambulam pelos arredores da prefeitura, Câmara e do teatro, onde encontram abrigo contra a chuva. Os funcionários que atuam na vigilância e zeladoria estão orientados a informar aos andarilhos que eles não podem ficar nesses locais, mas também não podem tratá-los de forma grosseira ou rude.
O secretário lembrou que a Casa do Migrante (espécie de albergue) funciona a menos de cem metros do coreto e está à disposição para os moradores de rua ou migrantes. “O problema é que para ficar lá é preciso obedecer algumas regras, como tomar banho e não usar drogas ou álcool, e esse pessoal não aceita regras, então não quer ficar lá”.
Procurado pela reportagem na manhã de quarta-feira, o tenente Alex Tominaga, que acaba de retornar para a 2ª Cia de Polícia Militar, disse que não pode tirar os invasores do coreto, mas prometeu intensificar a fiscalização no local. “Para retirá-los de lá, nós precisaríamos ir com a prefeitura para que ela indique um local para eles irem. Mas essa parte de fiscalizar o uso de drogas ou existência de armas, nós faremos. Com certeza, ainda hoje, iremos intensificar a fiscalização naquele local”.
A promessa do oficial foi cumprida rapidamente e na tarde de quarta-feira, poucas horas depois da conversa, o coreto estava desocupado. A polícia compareceu no local, porém não encontrou armas e nem drogas. “Comunicamos a prefeitura que foi até o Coreto e pediu para que os moradores em situação de rua desocupassem o espaço”.