O juiz da 5ª Vara Judicial de Jales, Adílson Vagner Ballotti, deferiu liminar solicitada pelo Ministério Público local que determina a indisponibilidade dos bens da ex-prefeita Eunice Mistilides Silva(PTB), e de pelo menos quatro dos seus ex-assessores, até o valor de R$ 424,6 mil, para ressarcimento dos prejuízos causados à Casa da Criança com a realização, em setembro de 2013, da chamada Expo Show Uva e Mel. Além de Nice, estão sendo acusados o ex-secretário de Planejamento, Aldo Nunes de Sá, o ex-chefe de gabinete da prefeita, Roberto Timpurim Berto, o ex-chefe de gabinete da Secretaria de Fazenda, Adriano Lisboa, e o ex-coordenador de saúde coletiva, Renato Luís Lima e Silva, o Renato Preto.
A decisão é de 15 de fevereiro, mas só foi divulgada na segunda-feira, 29. O bloqueio inclui valores depositados nas contas bancárias dos envolvidos. Segundo informações extraoficiais obtidas por A Tribuna, nas contas de alguns dos envolvidos não foi encontrado muito dinheiro. Em apenas uma delas teria sido encontrado um valor razoável – R$ 23 mil. A concessão de liminar determinando a indisponibilidade dos bens dos envolvidos é um dos pedidos feitos pelo promotor Horival Marques de Freitas Júnior em uma Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público contra os cinco acusados. O juiz Adílson Ballotti ainda não decidiu sobre a aceitabilidade da Ação, mas, considerando a concessão da liminar, tudo indica que ela será aceita.
O processo já tem quase 800 páginas. Somente a denúncia do promotor tem 47 páginas, recheadas de trechos de depoimentos de várias testemunhas e de pelo menos quatro dos acusados. A ex-prefeita Nice Mistilides foi convidada a prestar depoimento, mas não compareceu à promotoria. Já na segunda página, o promotor registra que a ex-prefeita Nice, desde que foi empossada, “esteve envolvida em diversas representações e investigações instauradas pelo Ministério Público, sobre diversos assuntos – como nepotismo, direcionamento de licitações, superfaturamento em aquisições, ausência de fiscalização nas medições relativas à limpeza urbana – incluindo as festas que decidiu encampar”.
Mais adiante, na página 20, o promotor diz que “em mais uma de suas aventuras à frente da Prefeitura Municipal de Jales, Eunice Mistilides e os demais réus foram responsáveis por levar a Casa da Criança à absoluta insolvência e ao encerramento de suas atividades”. Horival lembra que a entidade foi fundada há várias décadas, como entidade filantrópica voltada às crianças carentes da cidade, e que “os réus não tiveram quaisquer escrúpulos ao deliberarem que se valeriam do CNPJ da entidade para realização da Expo Show Uva e Mel”, causando prejuízos à entidade. Ele registrou, ainda, que “como decorrência de tais prejuízos, atualmente a sede da Casa da Criança encontra-se à venda”.
“A Casa da Criança não tinha dívidas e agora praticamente fechou”, diz funcionária
Para concluir que a prefeita Nice Mistilides utilizou o nome da Casa da Criança, mas foi, na realidade a grande responsável pela organização da deficitária Expo Show, o promotor Horival Marques de Freitas Júnior ouviu várias testemunhas, incluindo Eder Marcelino Nestor, que assumiu a presidência da Casa da Criança durante a realização da festa. “Na prática, foram Roberto Timpurim, Aldo, Adriano e o Renato que organizaram tudo. A Nice passava diariamente pelo recinto e se reunia com eles”, disse Eder ao promotor.
Ana Cristina Silveira Lemos, diretora da entidade, confessou que a diretoria ficou com receio de embarcar na aventura proposta por Nice, “mas o Renato garantiu que não haveria déficit para a instituição. Ele disse que havia alguém por trás do evento que garantiria o resultado”. Mais adiante, Ana Cristina reafirma que o “Renato garantiu que tudo daria certo e que, se houvesse prejuízo, seria coberto. Foi nesse dia que ele mencionou que era a prefeita quem estava por trás do evento”. Ela disse ainda que “diversos servidores da Prefeitura e a própria prefeita participaram da organização da festa”.
Ana confirmou que o ex-secretário Aldo era o encarregado de recolher o dinheiro das bilheterias. “O Aldo chegou e pediu que lhe passasse o dinheiro arrecadado. Ele foi bastante ríspido e eu achei até que ele poderia me agredir, pois de início me recusei a entregar o dinheiro, já que ele não fazia parte da diretoria da Casa da Criança”. A versão foi confirmada por outra testemunha. Adalberto Mariano dos Santos, que trabalhou na Expo a pedido da prefeita Nice, disse que “o secretário Aldo, todas as noites, após os shows, comparecia nas bilheterias e pegava o dinheiro, levando-o consigo”.
Ermeliana Santos Bueno, funcionária da entidade, confirmou que “os shows já estavam predeterminados pela prefeita. Ela contratou cantores muito caros”. Para Ermeliana, “a Prefeitura não agiu corretamente com a Casa da Criança, pois a entidade acabou ficando com os prejuízos. A Nice havia dito que, caso houvesse prejuízo, ela assumiria a dívida, mas isso não ocorreu. Até a Expo Show a Casa da Criança não tinha dívidas e agora praticamente fechou”, completou a funcionária.
Francisco Rodrigues dos Santos, que trabalhou com um carro de som na divulgação da Expo, disse que os quatro assessores da prefeita – Timpurim, Aldo, Renato e Adriano – é que indicavam, a mando da prefeita, os locais por onde ele deveria passar. “Em certa ocasião, eles dissera que a prefeita queria que eu divulgasse bastante no bairro Oiti, uma vez que lá havia uma pessoa da oposição espalhando boatos de que a festa não seria realizada”.
Promotor quer o pagamento de danos morais coletivos
O ressarcimento dos prejuízos causados à Casa da Criança e a condenação dos acusados por improbidade administrativa não são os únicos objetivos do Ministério Público de Jales. Na ação ajuizada contra Nice e seus ex-assessores, o MP está pedindo, além do ressarcimento de R$ 424,6 mil, a condenação dos acusados ao pagamento de outros R$ 424,6 mil a título de indenização por danos morais coletivos causados à sociedade local. Segundo o promotor Horival, “toda a sociedade de Jales foi ofendida em sua dignidade e decoro cívicos pela ex-prefeita Eunice Mistilides e seus secretários”.
O caso
Assim que assumiu a Prefeitura, a ex-prefeita Nice Mistilides tratou de anunciar, ainda em janeiro de 2013, a contratação de artistas para a Facip programada para abril daquele ano. A festa teria nove dias e uma grade de shows milionária. Para comandar o evento, a prefeita nomeou o vice-prefeito Pedro Callado, mas problemas com a Câmara – que não aprovou o pedido de uma verba de R$ 2,3 milhões para a realização do evento – obrigaram a prefeita a cancelar a Facip há apenas dez dias da data marcada para o início da festa.
Como a prefeita tinha firmado alguns contratos e o cancelamento puro e simples implicaria em multas para a Prefeitura, ela decidiu marcar outra festa para setembro – a Expo Show Uva e Mel, também com nove dias de duração – mantendo a mesma grade de shows, estimada em mais de R$ 1 milhão. Felizmente para a Casa da Criança, que poderia ter um prejuízo maior, a duração da festa acabou sendo reduzida para apenas cinco dias. Duas duplas sertanejas foram excluídas da grade de shows – João Bosco & Vinícius e Humberto e Ronaldo – diminuindo o valor das contratações para cerca de R$ 800 mil. Mesmo assim, a Casa da Criança contabilizou um prejuízo de R$ 424 mil.