Adorei esse texto que o meu amigo Francisco Costa, carioca de quatro costados, publicou em 23 de março na sua página no Facebook e, quero compartilhar com vocês. Boa Leitura.
“Eu te conheço desde menino, PMDB, quando ainda não tinhas o P, aliás, eu te vi nascer, e mais: militei em ti. Copiando o bipartidarismo norte-americano, os generais que então nos infernizavam, pariram dois clubes: ARENA, o clube da situação, e o MDB, o clube que fingia ser de oposição, ou o partido do sim, e o partido do sim, senhor, como dizíamos, na época. Súbito bafejaram-nos os ares de resistência e nós, que militávamos em desorganizada clandestinidade, nos aproximamos do MDB, mesclando-nos, vestindo, de mentirinha, uma roupa de legalidade. E nasceu o chamado grupo autêntico, um grupo de homens e mulheres destemidos, um núcleo de rebeldia no rebanho dos bem comportados emedebistas, curvados ao arbítrio militar. Nessa época aproxime-me do saudoso Lisâneas Maciel, porta para a minha militância no MR-8, do heroico Capitão Carlos Lamarca, sem abdicar do MDB, face da minha militância “legal”, álibi para as minhas desculpas aos amigos e parentes, para justificar tamanho empenho meu em atos que eles não tomavam conhecimento, não davam no rádio e na tevê. Por ti e em ti respondi a inquéritos, respondi a interrogatórios, sem tortura física, é verdade, escapei, mas sob muita humilhação e tortura psicológica. E veio o discurso do emedebista autêntico, Alencar furtado, o do “talvez” e do “quem sabe”, levando os gorilas à loucura. Alencar Furtado faleceu e, homenageando-o da maneira cabível, então revolucionária, embora hoje um gesto tolo, praticado normalmente por adolescentes, fui preso, ficando incomunicável por três dias, com companheiros, aguardando o helicóptero que nos jogaria no Oceano Atlântico, uma “terapia anticomunista”, como os brutamontes diziam. Um providencial Habeas Corpus, impetrado pelo então governador, Chagas Freitas, e levado ao delegado da federal pelo hoje deputado Miro Teixeira, então conhecido como “o garoto do Chagas”, nos salvou, com o tempo regulamentar esgotado, para usar um jargão futebolístico. Torno isso público, e raras vezes o fiz, para mostrar até onde fui, pelo MDB, hoje PMDB.
Olhando para trás, vejo o próprio Alencar Furtado, Lisâneas Maciel, Francisco Pinto, Álvaro Lins, Freitas Nobre, JG de Araújo Jorge, o primeiro poeta que li, ainda menino, o que me induziu a me amasiar com as palavras, a escrever poemas sempre e para sempre, Marcondes Gadelha, Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, e mesmo Mario Covas e Franco Montoro… E a ditadura se esgotou e sucumbiu, e ganhaste o P, vindo a ser o PMDB de hoje. Por mais que eu busque um paralelismo com outrora, excetuando Requião, não encontro, a sigla é hoje a de uma facção criminosa, presidida por Michel Temer, um notório corrupto, acumulando o cargo de presidente da república, tramando golpes contra quem ele deveria fidelidade e, mais, cumplicidade. Vejo uma Câmara dos Deputados presidida por um peemedebista, com o partido trocando a oportunidade de contribuir com o país e o povo por um golpe, chefiado por peemedebista com 22 processos de corrupção, com sentenças condenatórias. Vejo um Senado da República presidido por peemedebista, outro notório corrupto, não menos execrável. Vejo nomes de peemedebistas em todas as listas de corrupção, muitos deles, mas a traição maior aos seus princípios não está aí, na corrupção.
Tu nasceste como subproduto de um golpe, para evoluir e, dialeticamente, ser a contradição nesse golpe, combatendo-o, e hoje é um partido golpista, fazendo o que fizeram os militares. Na campanha das Diretas já eras o partido de escol, o maior, exigindo a necessidade do voto popular e o respeito a ele, afirmando que o parlamento representa o povo, mas não o substitui, e hoje se arvora de tutor do povo, tramando golpe nos subterrâneos do parlamento. E traição das traições, a infâmia maior: mesmo quando nos violentamos, em alianças inexplicáveis e conchavos, foi na busca do melhor para o Brasil e a sua gente. A nossa bandeira foi sempre a do nacionalismo, da posse do patrimônio brasileiro pelos brasileiros, com a nossa ojeriza ao regime militar, porque vassalo do império nos saqueando o sangue e as riquezas, encontrando em nós a denúncia e a resistência. Mas mudaste e mudaste para ser o sistema que combateu, e nos separamos, e hoje… Andrajo do que foi, farrapo do que pretendeu, menos que sombra, porque negação, eu te vejo em aliança com as mais obscuras e mercenárias forças, entreguistas, prostitutas ávidas pelos michês internacionais… Alimentando um golpe para entregar o que nos resta.
Hoje chorei PMDB, mas não pelo tempo que militei, em que em teu seio encontrei abrigo e forças. Como afirmou Gonzaguinha, eu “começaria tudo outra vez, se preciso fosse”. Chorei por ti que, recusando-se a ser uma força viva do nosso povo, escoadouro natural dos nossos desejos e necessidades, morreu, sem honra e sem dignidade, recusando-se à sepultura, com o próprio cadáver, fétido e pútrido, público, nos intoxicando as narinas. Foi por ti que chorei, PMDB, por ti”.
PS. Por dentro do regime de exceção, as classes dominantes estão impondo aos subalternos sacrifícios brutais, que poderão perdurar por muitos anos. À terceirização transforma o trabalhador presente e futuro em boia-fria, e faz o país retroceder ao padrão da exploração oligárquica do século 19, penalizando, sobretudo, o trabalhador mais pobre: – na prática, a tendência é de que o trabalho formal, regular e protegido acabe e seja substituído pelo contrato temporário de trabalho; – os trabalhadores estarão condenados ao desamparo por três meses ao ano: sem salários, sem contribuição previdenciária, sem FGTS, sem nenhum direito trabalhista, sem férias, sem 13º salário, sem assistência e sem dignidade;
– O trabalhador será convertido em escravo disponível em tempo integral para o patronato, sem nenhum direito e pagamento. Isso porque o contrato de trabalho temporário não precisa ser executado de modo consecutivo – pode ser cumprido em períodos de tempo alternados, como nas contratações por safras agrícolas.
Nos momentos de queda da rentabilidade e da taxa de acumulação capitalista, a oligarquia brasileira – que é, na sua essência, rentista e patrimonialista – não renuncia inclusive a métodos golpistas e autoritários para impor à classe trabalhadora sacrifícios brutais e desempatar a seu favor o conflito distributivo.
O golpe é a expressão do pacto antidemocrático de dominação burguesa que está retrocedendo o Brasil ao século 19. Esta oligarquia fascista assassinou não só o Estado de Direito, mas o ideal de um Estado de Bem-Estar.
A escassez estrutural do direito ao trabalho causará o efeito nefasto da competição predatória no interior da classe trabalhadora.
(*)Marco Antonio Poletto é gestor no Poder Judiciário, Historiador, Articulista e Animador Cultural.