Editora-executiva da Folha de S. Paulo entre 2000 e 2010, a jornalista Eleonora de Lucena publica um importante artigo nessa semana, em que aponta como a elite brasileira abraçou um projeto de autodestruição nacional e dela própria, ao abraçar o golpe de 2016, rotulado por ela como um Escracho.
“A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país”, diz a jornalista, fazendo a ressalva de que o golpe de 2016 não é o primeiro exemplo de retrocesso patrocinado pela própria elite. “Não é a primeira vez. No século 19, ficou atolada na escravidão, adiando avanços. No século 20, tentou uma contrarrevolução, em 1932, para deter Getúlio Vargas. Derrotada, percebeu mais tarde que havia ganhado com as políticas nacionais que impulsionaram a industrialização.”
Lucena afirma que a inclusão social fortalecida no governo Lula trouxe grande rentabilidade para a elite, mas não ameaçou o rentismo – o que só veio a acontecer na presidência de Dilma Rousseff. “Os últimos anos de crescimento e ascensão social mostraram ser possível ganhar quando os pobres entram em cena e o país flerta com o desenvolvimento. Foram tempos de grande rentabilidade. A política de juros altos, excrescência mundial, manteve as benesses do rentismo. Quando, em 2012, foi feito um ensaio tímido para mexer nisso, houve gritaria.”
Ela afirma que, com o golpe, chamado de impeachment, foi colocada em marcha uma agenda de retrocessos, que coloca o Brasil à beira do abismo. “O impeachment, digo, Golpe trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos”, diz ela. “O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.”
Com efeito, qualquer pessoa medianamente informada está se perguntando como essas “elites” podem ser tão cegas a ponto de apostarem nesse enorme retrocesso social e político? Como pode o sacrifício da própria democracia ser uma “saída” para a crise política? Como pode o retorno da nossa grotesca desigualdade histórica ser uma “ponte para o futuro”? Como pode a associação subalterna ao capital internacional e à única superpotência do planeta ser uma afirmação dos interesses do Brasil? Mas a questão não é tão simples assim.
Em primeiro lugar, o capitalismo é um sistema “cego”, intrinsecamente desequilibrado, que gera inexoravelmente desigualdades e contradições. O mercado, essa reificação que justifica tudo, nada mais é que um bando anômico de lemingues vorazes e míopes, sempre disposto a cometer suicídio coletivo. A lógica da acumulação é cega, não tem plano, não tem nacionalidade, não tem equilíbrio, não tem estratégia de longo prazo. É por isso que o capitalismo é um sistema de crises periódicas, frequentemente profundas e destrutivas. É por isso que esse sistema gera, de forma reiterada, bolhas especulativas descontroladas. Assim, faz parte da natureza do capitalismo atirar sistematicamente contra os próprios pés.
Nosso capitalismo nunca teve uma Era de Ouro. Nosso capitalismo sempre foi de chumbo: dependente, excludente, marginalizador, autoritário e, sobretudo, extremamente violento. Nunca produziu uma utopia, uma “revolução burguesa”. Sempre foi distópico. Nunca gerou um Brasil com b maiúsculo e s. Ficou apenas no “brazil”.
“Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo”, lembra ainda a jornalista.
Considero o apoio incondicional que alguns jornalistas sugerem ao momento olímpico, algo nefasto. Não me chamem, não insinuem. Considero o convite ao ufanismo algo tão impróprio quanto à crítica raivosa e irracional – são gêmeos distantes. O prefeito, comitês e tudo que cerca a Olimpíada agiram com negligência criminosa ao liberar prédios sem revista. E isso macula a imagem do país. Esconder é irracionalidade interessada – o que não me contagia. Convido-os a sensatez da crítica racional – afinal, somos formadores de opinião. Se não podes emitir opinião crítica faça uso digno do silêncio. Não edifica, mas tampouco demole o caráter. O capital nunca foi sábio, mas sempre foi astuto.
PS. Em declaração por vídeo ao jornal Brasil de Fato após ter prestado depoimento no 1º Distrito Policial em Curitiba, nesse domingo passado (31/07), onde registrou B.O. por injúria depois de ter sido chamada de “puta”, “sem-vergonha” e outros nomes apenas por ser contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a atriz Letícia Sabatella descreve que o ato contra o golpe em que esteve foi “amoroso” e “as pessoas estavam felizes”, enquanto no protesto a favor do impeachment, “eles criaram uma energia” negativa; “Eu sinto muito por eles estarem vendo as coisas dessa maneira, com tanto ódio”; ela disse ainda que “há tantas pessoas sofrendo consequências desse golpe que está acontecendo no Brasil”, que não sentiu que o episódio ocorrido com ela “era pior”; “Que pena, não dá mais pra conversar com as pessoas. Parece uma gana por esse ódio”.
(*)Marco Antonio Poletto é gestor no Poder Judiciário, Historiador, Articulista e Animador Cultural.