Paulistano da capital, casado com uma advogada jalesense, o infectologista da Santa Casa e do Município de Jales, Mauricio Kenzo, ganhou visibilidade nos últimos dois anos por conta das doenças infecto-contagiosas do nosso tempo, a Covid-19 e a Monkey Pox, que assustaram e ainda assustam a população do mundo todo. O nosso Personagem da Semana acompanha a evolução do novo coronavírus bem de perto em Jales, e um pouco mais distante em Santa Fé do Sul e Rio Preto onde também atua.
Para ele, ainda deveremos conviver com os vírus (especialmente o SARS-CoV-2, que causa a Covid-19) durante muito tempo, mas não é preciso ter pânico. Na sua opinião, as novas variantes virão cada vez mais fracas e as pessoas aprenderão a usar as medidas de prevenção.
A TRIBUNA: O nome da profissão parece auto-explicativo, mas o que faz um infectologista, exatamente?
MAURÍCIO KENZO: O infectologista trata de doenças causadas por vírus, bactérias, protozoários, enfim, todos aqueles seres que são invisíveis a olho nu. O profissional ganhou maior destaque por conta da pandemia do novo coronavírus, mas antes o carro chefe da infectologia era o vírus do HIV, que causa a AIDS. Mas o infectologista também trabalha com a parte de saúde coletiva, com a vigilância epidemiológica, tem a capacidade de fazer todo estudo horizontal com a população, usando métodos estatísticos para saber o que está acontecendo sobre as doenças de uma região, controle vacinal, com infecção hospitalar e fazemos muitas consultas com outros especialistas porque muitas das doenças infectocontagiosas mimetizam outras doenças, como neurológicas, reumatológicas, oncológicas, cardiológicas e outras. É uma área bastante abrangente.
A TRIBUNA: Os casos de Covid-19 estão subindo novamente. Isso é uma nova variante, é por causa da aglomeração das festas, enfim, o que está causando isso?
MAURÍCIO KENZO: O coronavírus (SARS-CoV-2) é um vírus altamente mutagênico, então ele na hora de se proliferar, ocorre muitas mutações genéticas. Hoje nós temos a ômicron circulando, que é uma variante e o que está circulando agora é uma sub-variante, que é uma outra cepa que tem as características muito semelhantes das que circularam em Manaus, Ribeirão Preto, no Rio Grande do Sul e Sorocaba. Eram cepas diferentes, mas variantes do mesmo coronavírus que apareceu no fim de 2019, na China.
A TRIBUNA: É a mesma doença? Os sintomas são iguais?
MAURÍCIO KENZO: Sim, é a mesma doença, mas aí é que está. Esta nova sub-variante, as características dela já não é tanto a perda de paladar e olfato, aquela falta de ar agressivo, como tinha naquela cepa de Manaus. Agora os sintomas estão mais para um resfriado forte, com espirro, tosse, coriza, dor de garganta, a febre quando vem não é tão alta, então mimetiza muito para um resfriado comum.
A TRIBUNA: Esses sintomas mais leves não fazem com que as pessoas atenuem a preocupação? Quer dizer, o paciente acha que é apenas um resfriado e toma um remedinho, não vai ao médico, não faz o teste, não usa máscara e acaba contaminando outras pessoas?
MAURÍCIO KENZO: Sim. Aí é que entra a palavra do médico infectologista porque a gente trabalha também com comorbidades. Então quando alguém pergunta, a gente aconselha a testar, sim porque existe uma nova sub-variante e pode ser Covid, sim. Mas, se a pessoas pegou Covid antes e pegou Covid agora, são poucos os casos em que foi tranqüilo na primeira vez e agora piorou. Costuma acontecer o contrário, a grande maioria pegou uma Covid muito forte e agora pegou uma mais fraquinha e quando pega essa mais fraquinha ele nem fica sabendo que foi Covid mesmo. Porque na primeira vez, ele passou mal pra caramba, ficou na cama deitado, precisou de oxigênio e agora não, até continuou trabalhando, mas acaba sendo Covid mesmo.
A TRIBUNA: Isso aumenta a probabilidade de contaminação?
MAURÍCIO KENZO: Sim, porque o diagnóstico não é concluído e as pessoas não têm aquela preocupação. Mas esse aumento de casos já era esperado porque a vida segue, teve a flexibilização do uso de máscaras, do álcool em gel, da higiene das mãos, vem as festas, a Copa do Mundo…
A TRIBUNA: Nós estamos “condenados” a usar esses recursos pelo resto da vida?
MAURÍCIO KENZO: Eu espero que não. A ANVISA aprovou uma nova vacina polivalente contra essas duas cepas sub-variantes e provavelmente deve se renovar semestralmente, como acontece com a influenza (Hn1 e Hn2) por isso eles pedem para fazer o reforço a cada quatro ou seis meses. Mas uma coisa que tem me deixado mais tranqüilo é a cobertura vacinal acima de 70% (no Brasil). Um dos primeiros estudos sobre vacina, na década de 1970, mostram que com a cobertura vacinal acima desse índice passa a ser eficaz. É a história da cobertura de rebanho. No estado de São Paulo já está acima disso. O grande problema é a não eliminação porque o vírus vai continuar a se reproduzir e quando estiver dentro do seu corpo, ele vai continuar a se reproduzir e nessa reprodução, pode produzir uma nova sub-variante. Nós também somos um vetor para auxiliar nessas mutações. Somos um laboratório de mutações. Principalmente sem vacinas.
A TRIBUNA: Estamos no fim do ano, época de festas, aglomerações, Copa do Mundo, a gente imagina que ainda vai aumentar muito o número de casos. Até quando vai essa nova onda?
MAURÍCIO KENZO: É esperado, sim, somos um povo muito caloroso, que abraça e se reúne, mas essa sub-variante não é tão agressiva e poucas pessoas precisam de internação. É claro que para uns é preocupante, mas na maioria dos casos o quadro está sendo ameno mesmo. Acho que só alcançaremos o ápice até no começo de fevereiro e só depois disso vai voltar a cair. A evolução tem a ascensão, o platô e a queda. Sobe, estabiliza e cai. A gente ainda não chegou nisso, os casos diários continuam subindo.
A TRIBUNA: Mas não corre o risco de numa dessas mutações, a sub-variante vir mais forte e os casos voltarem a ser graves?
MAURÍCIO KENZO: Quando você vai fazendo a imunização, vai respeitando os protocolos de higiene, você vai “enfraquecendo” esse vírus porque a mutagenicidade genética do vírus não e mais aquela original agressiva, então essas falhas evolutivamente vão produzindo vírus mais fraco. Não há descrição histórica sobre um vírus muito fraquinho que virou um totalmente forte. O que acontece é o contrário, vai amenizando. Sempre foi dessa forma. Vai combatendo e vai destruindo mesmo.
A TRIBUNA: Então futuramente, a gente pode imaginar que o vírus vai continuar na humanidade, mas vai enfraquecendo? A gente não precisa ter medo de perder essa característica de povo caloroso que se abraça e se beija?
MAURÍCIO KENZO: Isso, exato. Não precisa ter pânico.
A TRIBUNA: Como estão os casos em Jales?
MAURÍCIO KENZO: Até a semana passada tivemos dois casos bem leves e nesta semana estamos com outros dois. Uma gestante e um senhor, mas sem gravidade. A gestante está bem confortável e está lá porque é gestante mesmo e está em observação. O senhor precisou de um pouco de oxigênio, mas bem pouquinho.
A TRIBUNA: Estamos voltando no tempo de Carlos Chagas e da revolta das vacinas quando as pessoas se recusavam a se vacinar?
MAURÍCIO KENZO: Percebemos que com as notícias na imprensa de aumento de casos, as pessoas já estão procurando a vacinação e aumentando o índice de vacinação.
A TRIBUNA: Pelo visto, a sua opinião é que a gente deve continuar frequentando festas, na medida do possível.
MAURÍCIO KENZO: Na medida do possível porque estamos aprendendo diariamente a conviver com esse vírus. Não tem mais como restringir o comércio ou uma família que precisa trabalhar. Eu acredito que isso já foi feito e foi demonstrado que com as medidas de proteção individual e com vacinas, dá pra gente seguir a vida.