“Mais frustrante do que recompensante”. É assim que o veterinário Carlos Eduardo Geraldeli da Silva, classifica o trabalho desenvolvido no Centro de Zoonoses de Jales. Mas a frustração não vem dos “pacientes”, que ele trata com muito amor e carinho. Vem dos humanos que abandonam cada vez mais animais e empurram para os outros a responsabilidade que é deles. Único profissional atuando na unidade, o nosso Personagem da Semana, contudo, mostra entusiasmo, abnegação e otimismo sobre a situação atual com relação ao passado recente.
A TRIBUNA: Eu gostaria de começar falando sobre números. Quantas consultas, quantas castrações e exames vocês fazem aqui no Centro de Zoonoses?
CARLOS EDUARDO: Em primeiro lugar é importante deixar claro que o trabalho da unidade de zoonoses não se restringe à castrações, muito pelo contrário. O intuito é controlar as zoonoses, como leishmaniose, esporotricose, que são as mais frequentes no país e as que mais afetam os cachorros e gatos, que são os animais que a gente mais atende aqui. A gente faz castração na parte da manhã e a castração não é uma receita de bolo. Cada organismo e cada procedimento leva um tempo diferente porque lidamos com animais e não com máquinas. A gente divide os dias para cães e gatos. Quando são só gatos, a gente faz uma média de 10 a 12 castrações. Porém quando é o dia dos cachorros de porte grande. Leva um tempo muito maior e exige um espaço muito maior para fazer pré e pós operatório então é, no máximo, quatro animais por dia. Na média, conseguimos fazer por mês entre um animal e outro, algo em torno de 80 a 120 animais por mês, somente na parte da manhã.
A TRIBUNA: E os procedimentos no período da tarde?
CARLOS EDUARDO: À tarde a gente faz os atendimentos clínicos. Tem dias que a gente atende 20 animais, mais os retornos. E também tem que fazer a confecção de exames de leishmaniose que temos uma média de 280 coletas de sangue por mês para enviar para o laboratório e o teste rápido.
A TRIBUNA: Quantas pessoas trabalham aqui o Centro de Zoonoses?
CARLOS EDUARDO: Somos em seis pessoas. Cinco servidores, dois estagiários de veterinária, um de manhã e outro à tarde, e eu como médico.
A TRIBUNA: É suficiente?
CARLOS EDUARDO: Para o tamanho do nosso prédio, sim. Mas apenas um veterinário para tender toda a população de Jales, não. Seria ideal pelo menos mais um veterinário.
A TRIBUNA: Mas teria que ter mais uma sala?
CARLOS EDUARDO: Sim, porque aqui estamos numa casa adaptada.
A TRIBUNA: Muito se fala que Jales tem muitos animais domésticos, muitos PETs. Isso é verdade?
CARLOS EDUARDO: Sim, é um fato que no Brasil, não só em Jales, os PETs são metade da população humana. Eu sou muito amigo da veterinária do Centro de Zoonoses de Fernandópolis e ela tem o mesmo problema de animais abandonados, leishmaniose etc.
A TRIBUNA: Os abandonados também são um número muito alto?
CARLOS EDUARDO: Hoje falta muita conscientização e uma política de leis que sejam cumpridas e fiscalizadas. O número de abandono só aumenta. Não é verdade que está estável. Só aumenta.
A TRIBUNA: Me parece que as autoridades, digo principalmente as autoridades policiais, não levam muito a sério as reclamações sobre maus tratos e abandono de animais. Como é pra vocês? Se vocês ligarem para a polícia eles atendem?
CARLOS EDUARDO: Raramente a gente consegue um suporte. A gente como servidor de uma unidade de zoonoses não tem autoridade nenhuma. Recebemos muitas denúncias de maus-tratos e abandono. Vamos ao local para averiguar e orientar porque é a única coisa que podemos fazer. Se a pessoa se virar contra a gente, o máximo que podemos fazer é virar as costas e sair porque não podemos reprimir de maneira alguma, não temos como aplicar multa ou coisa alguma. Quando a gente consegue levantar os dados a gente pede o apoio da parte militar, mas não temos apoio de maneira nenhuma.
A TRIBUNA: Mas se o servidor estiver sendo desacatado, pode chamar a polícia?
CARLOS EDUARDO: Sim, em questão de desacato, podemos, sim. Mas o que precisávamos era manter a condição do animal e para isso não temos apoio nenhum.
A TRIBUNA: Recentemente, a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente firmou uma parceria com a Polícia Ambiental para enfrentar o problema de equinos e bovinos perambulando pelas ruas.
CARLOS EDUARDO: Isso aí, por causar perigo no trânsito, tem um apoio maior da polícia, mas é uma questão e valor também porque quando eles recolhem, o proprietário vai pegar esse animal de volta. Aqui, quando a gente consegue recolher um animal abandonado ou perambulando na rua, nunca ninguém vem recuperar. Então um abrigo, hoje, é apenas um acúmulo de animais porque é cada vez mais crescente o número de abandonos.
A TRIBUNA: E a adoção? A Prefeitura divulga no site os animais disponíveis para adoção. As pessoas têm vindo aqui adotar?
CARLOS EDUARDO: Temos uma procura muito pequena para o número de animais abandonados, mas temos, sim. Principalmente filhotes que ficam dois, três meses no máximo. Os adultos ficam dois ou três anos. A procura é bem menor do que precisava, mas tem sim.
A TRIBUNA: A gente vê que é um hábito do brasileiro gastar milhares de reais para comprar um animal, que as vezes precisa de muitos cuidados, enquanto tem muitos para adoção. Você acha que deveria ter uma legislação que proibisse isso ou que tivesse uma regulamentação mais severa?
CARLOS EDUARDO: Já passou da hora de proibir mesmo desse tipo de comércio. Porque desses animais mais caros, a maioria só tem um trato adequado no início quando são filhotes. A gente recebe aqui muitos animais de raça. São Poodle ou Shih tzu, que quando começam a exigir poda e banho semanal são abandonados. Então a gente recebe muito animal de raça que, muito provavelmente, foi adquirido por valores altos. Passou a graça de filhote e a pessoa joga para escanteio. Também temos muitas denúncias de animais de raça que a pessoa compra e depois deixa lá no fundo do quintal, amarrado e sem cuidados. Então acho que a proibição tem que ter sim.
A TRIBUNA: Vocês chegam a ter que apreender algum animal que sofre maus tratos? Tipo ter que retirar do dono?
CARLOS EDUARDO: Sim. Na semana passada, mesmo, tivemos que recolher um pit-bull que o dono viajava e ele passava dias sem comida e água. Quem alimentava era um vizinho que passava comida e água por baixo do portão. Ele estava bem debilitado, magro e com problemas de pele. A polícia foi lá, arrombou o portão e recolhermos o animal e trouxemos para cá e ele fica à disposição para adoção.
A TRIBUNA: Quem arca com as despesas é o município?
CARLOS EDUARDO: Esse atendimento de saúde dos animais é diferente daquele feito para a população humana, que tem o SUS. Os animais não têm. Tudo é feito integralmente pelo município que não recebe verba federal para isso. Uma unidade de zoonoses é tocada integralmente com recursos Fonte 1 do município e talvez alguma emenda que chega de vez em quando.
A TRIBUNA: Então a gente pode dizer que quando uma pessoa abandona um animal, ela está dando despesas para o município?
CARLOS EDUARDO: Sim. Até mesmo a própria castração que demanda antibiótico, gazes, anestesia, anti-inflamatório, vacinas etc e até mesmo os animais que são mantidos aqui. Esse dinheiro poderia ser usado em mais castrações.
A TRIBUNA: Você falou que à tarde vocês fazem atendimento clinico. Qual é a maior procura. É a leishmaniose?
CARLOS EDUARDO: Não. A leishmaniose costuma ser detectada na busca ativa que os funcionários fazem de casa em casa. Aqui a maior parte é animais que não se alimenta, tem problema de pele. Os atendimentos de leishmaniose são muito pouco.
A TRIBUNA: A leishmaniose deveria ser uma doença extinta, né, porque ela se dissemina pelo mosquito que se prolifera em quintais sujos, então bastaria limpar os quintais e eliminar os galinheiro e chiqueiros.
CARLOS EDUARDO: Exatamente. Acho que não é tão difícil de eliminar a leishmaniose. É cultural. As pessoas insistem em ter galinheiro, apesar da legislação que proíbe. É uma certa revolta da população, mas a intenção é controlar o mosquito que se prolifera através de material em decomposição, inclusive o esterco da galinha. É uma doença passível de erradicação.
A TRIBUNA: Me parece que vocês estão com muitos planos.
CARLOS EDUARDO: Hoje o que precisa é um concurso para mais um veterinário para a unidade de zoonoses. O PET Container vai ser muito bom, vai ajudar muito na questão de ampliar o espaço de atendimento, com recepção, sala de vacina, de atendimento e laboratório, que o PET Container vai dar um suporte muito maior para a população. Aqui não conseguimos fazer exame nenhum, apenas o de leishmaniose e com o PET Container vem o equipamento de hemograma e bioquímica que ajuda no tratamento de doenças como a do carrapato. Vai ser muito bom pra gente. Também temos a questão das baias porque precisamos demolir essas baias e construir outras com mais condição. Nisso, a doação de parte da cobertura do Comboio vai ser de muita ajuda porque vai ampliar o espaço coberto e vai permitir a construção de mais baias.
A TRIBUNA: Vocês em alguma parceira com as protetoras?
CARLOS EDUARDO: Não. É um aumento grande de protetoras, a gente atende muitas, mas uma parceria mesmo, não temos.
A TRIBUNA: A gente percebe que, apesar do esforço de vocês e da dificuldade, que de certa forma é até inerente à função, vocês recebem muita cobrança da população e questionamento da Câmara. Alguns por falta de conhecimento. O trabalho do Centro de Zoonoses é frustrante?
CARLOS EDUARDO: O Setor de zoonoses é frustrante. Por tudo que você faz, nunca tá bom. Você pode trabalhar 25 horas por dia. Animal nenhum trazido aqui para atendimento tem dono. Tem gente que chega aqui e diz que pegou o animal na rua, ficou com ele dois anos, mas não é dele. Nós temos que pegar, assumir a responsabilidade e pronto. A gente recebe mais de 300 pedidos para receber animais todos os meses. Enquanto conseguimos doar seis, sete, nove…se a gente tivesse um abrigo para esses animais teríamos quantos no final de um ano? Aqui é um Centro de Zoonoses, não um canil ou uma clínica. O trabalho é mais frustrante do que recompensante. Mas estamos sempre a disposição para atender e orientar as pessoas, no que podemos fazer. Mesmo que não seja o que a pessoa esperava.