Servidora de carreira e leitora apaixonada, Carla Fontana já passou por outros setores da administração, mas é no cargo de responsável pela Biblioteca Municipal “Professora Edith Moreira Ridolfo”, que ocupa há 11 anos, que ela se realiza. Tanto que classifica a nomeação como “um presente de Deus”.
Carla diz que a função é semelhante à dos antigos atendentes de vídeolocadora, daqueles que sabem de cor o conteúdo que dispõe no acervo. Não raro, os leitores pedem opiniões sobre lançamentos e coleções que ela conhece na ponta da língua. “Sou uma apaixonada pelo que faço”, diz.
A Tribuna: Domingo passado, 12 de março, foi o Dia do Bibliotecário. Há o que se comemorar ou é uma profissão esquecida?
Carla Fontana: Acho que é questão de cultura, né? Não se valoriza a leitura, não se valoriza o profissional de leitura, não se valoriza a própria biblioteca que é gratuita e está aqui disponível para a população, mas acredito que é pra se comemorar, sim. Há muito o que se comemorar. A profissão é regulamentada e o conselho pega no pé das prefeituras para fazer concurso para bibliotecário porque não adianta ter a profissão, ter faculdades, mas não ter cargos.
A Tribuna: Quais são as suas funções aqui na biblioteca?
Carla Fontana: Temos várias. Entre elas, como o livro chega até a gente e como vai para a prateleira. Existe uma classificação, catalogação porque o acervo precisa estar em uma ordem. O leitor chega aqui e pede um determinado livro, que a gente tem que encontrar em um lugar determinado. Se você me perguntar ‘onde estão os livros da Clarice Lispector?’. Eu vou dizer que estão 8B3. Se perguntar onde fica a Sara J (Sarah Janet Maas, autora de livros infanto-juvenis muito procurada atualmente) eu digo que está no 16A3. Temos que saber onde estão os de direito, filosofia, de época, ficção, fantasia…porque tudo tem uma organização. Eu posso dizer, por exemplo, que hoje, temos 400 pessoas com livros da biblioteca. Enfim, as nossas funções são muitas e bastantes específicas. Não é só atender e entregar os livros.
A Tribuna: Classificação de que forma?
Carla Fontana: Classifica por gênero…cada autor tem um código que identifica o gênero e a prateleira que ele vai. Essas informações você joga no programa de computador. No momento não estamos fazendo isso porque o programa é antigo e não serve mais para catalogar, então a gente faz uma lista. Em breve devemos ter um programa específico de gerenciamento e biblioteca porque a Prefeitura contratou uma empresa de TI (Tecnologia da Informação) que deve fornecer isso. E existe uma emenda impositiva que vai servir para comprar um computador novo.
A Tribuna: Qual é o público da biblioteca? Adolescentes? Estudantes?
Carla Fontana: Todos. Esta moça, por exemplo, (mostra uma mulher com duas filhas circulando entre as prateleiras) vem toda quinta-feira e fica aqui a manhã toda. Ela traz uma filha, depois traz a outra menor. Temos muitos pais que fazem isso. Temos muitos na faixa infanto-juvenil que gostam de livros de fantasia, que estão no TikTok, eles procuram muito.
A Tribuna: E o acervo vem de onde? Doações? Aquisições?
Carla Fontana: Principalmente doações dos próprios usuários. Alguns, como os meninos do DeMolay, fazem até campanha entre eles para arrecadar dinheiro e comprar alguns livros de coleções, que faltam. Eu fiz uma lista de livros e eles pretendem comprar e doar para a biblioteca. Não faz sentido ter o primeiro ou segundo e não ter o resto. Se você quiser manter um público adolescente vindo aqui, você tem que ter as coleções. São livros caros, que a maioria das pessoas não tem condições de comprar. Acredito que a maior causa da falta de leitura é o valor dos livros. E aqui tendo, eles procuram, ainda que tenha fila de espera. Quando sai na imprensa que os livros chegaram, começa o formigueiro e a fila de espera. Tem autores que tem fila de espera de cinco ou seis semanas. Tem livros que já trocamos o exemplar três vezes ou mais porque acaba sofrendo desgaste, mas o pessoal continua procurando, então tem que estar em bom estado.
A Tribuna: Quem são os freqüentadores mais assíduos? Público adolescente?
Carla Fontana: Não. É um público a partir de 25 anos até 70 ou 80. É muita dona de casa. Estudante vem mais para usar a internet, formar grupos de estudo para o vestibular e usar o espaço. Trazem o notebook e estudam aqui.
A Tribuna: Eu me lembro que quando eu era estudante, algumas professoras obrigavam os alunos a ler algum livro e fazer resumo depois. Quase sempre era um livro clássico e erudito, daqueles bem difíceis de ler. Agora, adulto e leitor freqüente, entendo que aquilo não ajudava a formar um leitor. Muito pelo contrário. Criava até uma rejeição à leitura. O que você acha disso?
Carla Fontana: Eu acho que se deixasse à vontade, se o professor deixasse várias opções para o aluno escolher dentro da sua faixa etária, acho que ficaria mais fácil. Tem que ler, mas deixar que os alunos escolham algumas opções. As perguntas normalmente são sobre o autor, interpretação do texto, fase em que a história ocorre etc.
A Tribuna: O que forma um leitor? Só prazer?
Carla Fontana: Alguns são pelo prazer, mas acho que todo mundo tem um leitor dentro de si. Apenas não descobriu o gênero ou o assunto que gosta. Às vezes a pessoa chega aqui forçado pelo filho que obrigou a fazer o cadastro pra pegar algum livro pra ele. Diz que odeia ler. Aí eu vou conversando, perguntando e essa pessoa acaba levando um livro. Dificilmente não volta pra pegar outros e não vira usuário frequente.
A Tribuna: Os formatos de livro mudam conforme a época. Por exemplo, tem época que as pessoas gostam mais de livro de capa dura, gibi, livros de bolso etc?
Carla Fontana: Sim, muda. Ainda temos livros de banca, mas o brasileiro gosta do que é bonito, bem feito. Ele quer ler um livro bom e bonito. Com a capa bonita, a edição bonita.
A Tribuna: Mas isso não elitiza? Quer dizer, não fica mais caro comprar um livro com a edição mais elaborada?
Carla Fontana: Acho que não. Porque compra aquele formato quem tem condições, mas normalmente tem outros formatos em edição mais econômica. Os mais caros são comprados para ler e ficar na estante.
A Tribuna: E as tecnologias? Kindle, Ubook, Skeelo, que você pode ter no celular, facilitaram ou não a leitura. Quer dizer, isso ajudou a formar mais leitores ou a afastar os leitores?
Carla Fontana: Afastou da biblioteca. Não tem dúvida. E com a pandemia afastou mais ainda porque eles descobriram a facilidade dos aplicativos. Então afastou da biblioteca, mas aproximou da leitura. Pode ter até aumentado o número de leitores. A gente vê isso pelas redes sociais nas páginas de leitores e autores.
A Tribuna: Estes livros que a gente pode chamar de “modinha”, que são consumidos principalmente pela juventude, podem ser considerados porta de entrada para o mundo da leitura?
Carla Fontana: Sim. Normalmente quem começa com a “modinha” são os adolescentes. Quando ele cresce um pouco ele quer partir pro clássico. Quer conhecer Dostoiévski, Tolstói, Victor Hugo e os romances clássicos. Não acho que seja ruim entrar por este mundo. O importante é a leitura.
A Tribuna: Pra encerrar a pergunta de um milhão de dólares. Como se forma um leitor? Como se faz pra ampliar o número de leitores?
Carla Fontana: Acho que tem que começar pela escola. Trazer as escolas, as crianças e os adolescentes aqui. Tem que ser incentivando na primeira infância. Todo mundo tem um leitor dentro de si. Ele só não descobriu o que gosta de ler. E a biblioteca está aqui para servir.
A Tribuna: Gostaria de convidar as pessoas para virem à biblioteca?
Carla Fontana: Sim, claro. A Biblioteca Municipal de Jales está à disposição de toda a população. Temos um acervo muito bom de clássicos nacionais e internacionais, enciclopédias e de novidades de todos os gêneros. Estamos aqui de segunda a sexta das 7h30 às 11h30 e das 13 às 17 horas. Cada pessoa pode pegar até três livros por semana e ficar com ele por até 7 dias. Basta apenas fazer um rápido cadastro. Pode vir apenas para usar a internet.
Sou sobrinho neto da professora Edith Moreira Ridolfo, que dá nome a essa biblioteca municipal, mencionada nesta matéria. Trabalhando com genealogia da família, procuro por uma boa fotografia dela e de seu marido Edilio Ridolfo. Caso não disponham de tal arquivo, agradeceria um contato com a bibliotecária responsável.