Segundo Bess Sondel, as palavras levantam ou derrubam. Acalmam ou revoltam. Acariciam ou ferem. Harmonizam ou destroem. Ora são pontes, ora são muralhas… Às vezes, unem; outras vezes, separam. Palavras têm força, peso, poder. As palavras podem suscitar todas as emoções, Podem promover a paz ou podem provocar uma guerra, terror, nostalgia, pesar… As palavras podem desmoralizar uma pessoa até a apatia ou espicaçá-la até o deleite, podem exaltá-la a extremos de experiência espiritual e estética. As palavras têm um poder assustador. E tudo isso é muita verdade, não acredito haja alguém que duvide. As palavras têm uma força, uma resistência, um poder que suplantam quase tudo que existe no mundo. Passam exércitos, passam impérios, passam repúblicas, mas as palavras não passam. Elas são permanentes, mais firmes do que os granitos dos palácios e dos monumentos. Deve ser por isso que nós dispomos, na língua portuguesa, de uma palavra que não tem igual no mundo em sentido, em significado, em força, tanto no aspecto denotativo (se isso é possível!) como no conotativo. É a palavra saudade, de origem tão obscura como o fundo dos mares portugueses, tão misteriosa como a virgindade das selvas brasileiras, ou tão cheia de calor como as terras de Angola ou Moçambique, também de linguajar lusitano. Saudade é uma das palavras mais presentes na poesia de amor da Língua Portuguesa e também na verdadeira música popular. “Saudade”, só conhecida em galego-português, descreve a mistura de todos os nossos sentimentos. O saudosismo as vezes é doloroso e triste. Um exemplo de saudade para muitas gerações é passar em frente ao local em que o Majestoso Cine Jales reinou por longos e deliciosos anos. Para meus conterrâneos, aquele imponente prédio sempre representou o templo da cultura e do lazer. Ali, os jovens de sucessivas épocas, viveram sonhos. Derramaram, talvez, as primeiras lágrimas provocadas pela arte do cinema. Abriram seus olhos para um mundo exterior, maravilhoso e fantástico.
Experimentaram a alegria de participar da vida, mesmo numa pequena comunidade, tão distante dos grandes centros. Ali, no palco, tivemos, também, conhecimento da arte do teatro, festivais, programas de calouros nas manhãs de domingo e grandes shows. Na plateia a lembrança saudosa de vários amigos que se perderam no tempo, namoricos primaveras (pega na mão), pessoas importantes da terra que respiraram juntos as emoções emanadas daquele recinto mágico.
Quem não se lembra de ter assistido os maravilhosos filmes de Alfred Hitchcock, da primeira versão do Planeta dos Macacos, de Laranja Mecânica, do Bang-Bang Italiano, das Chanchadas da Atlântida, do “caipira” Mazzaropi das seções do rapa, das matinês e seus seriados, das trocas de “gibis e muitos outros acontecimentos que marcaram a década de 60 e 70”? Nessa época, esses eram alguns dos filmes que “bombavam” as telas do período de auge do Cine Jales. Mas, agora, quem passa pela Rua Oito, se depara somente com a saudade.
O prefixo musical era feito com as músicas de Paul Mauriat e Ray Conniff. Músicas que tocavam antes do filme e depois, no seu encerramento. Saudades, saudades, saudades… esta é a palavra para descrever todos estes momentos mágicos vividos no Cine Jales. Uma vez, ainda moleque ajudei o saudoso Nelson (irmão do não menos famoso e saudoso Baianinho) como lanterninha. Quando começava a 1º sessão tinha que pedir silêncio para o pessoal, era divertido. A galera andava de um lado para o outro às vezes eu tinha que “gritar” para fazerem silêncio. Para os mais antigos e que não se lembram, a inauguração do Cine Jales foi em 1956.
Queridos leitores me lembro de muitos amigos que aos Domingos não perdiam a sessão das 18:00, ou como era conhecida : “das 6:00 da tarde”, após uma bela tarde no Clube do Ipê. Depois do filme todos nós íamos para a praça da antiga rodoviária “discutir” o que havíamos assistido. O Cine Jales fez parte da historia de muitas pessoas nesta cidade.
O cinema é um modo de retratar a identidade cultural de um povo, através de suas crenças, mitos, linguagem, história, princípios e costumes. O cinema do Brasil existe como exibição e entretenimento desde julho de 1896, e como realização e expressão desde 1897. Embora nunca tenha chegado a se estruturar plenamente como indústria, o cinema brasileiro, em seus mais de 115 anos de História, teve momentos de grande repercussão internacional, como na época do Cinema Novo, Glauber Rocha, Caca Diegues entre outros e do crescimento do mercado interno.
Na década de 60, o cinema ditava moda em Jales. As mulheres procuravam imitar as deusas da tela, na maneira de vestir de se pentear e pintar o rosto. Até na maneira de andar, sentar e se comportar. Todas procuravam alguma coisa que as identificassem com as atrizes de Hollywood. Nesta época Jales tinha duas salas de projeção: Cine Jales e São José. Era nesse espaço que a população assistia os filmes que viriam a influenciar hábitos, costumes e comportamento da nossa cidade e região.
O Cine Jales era o orgulho da cidade, com grande e solene balcão de doces e balas, uma enorme sala de espera. Seus funcionários usavam até uniformes. Quem, já passou dos quarenta certamente se lembra com saudades da época dourada do Majestoso Cine Jales. Abraços a todos que frequentaram o Cine Jales, que conheço e que não conheci nas maravilhosas sessões daquele saudoso cinema. Cine Jales, o Majestoso.
PS. Esse artigo é uma homenagem ao Sr. Lilo Vilarinho (Nilo do cinema), Palmeirense de “quatro costados”, os saudosos Mané Celes e do grande tocador de surdo na Escola de Samba Capela, Nélson, Célio Soares (grande memória viva de Jales) ao Lupércio, a “Mestiça” e tantos outros que a memória me falha.
(*)Marco Antonio Poletto é gestor no Poder Judiciário, Historiador, Articulista e Animador Cultural.