Eu não tinha planos de escrever sobre Chico Buarque na coluna de hoje. O artigo era outro, mas, hoje é domingo, e amanhã segunda. E que segunda! Se o jornalista Tarso de Castro (um dos mentores intelectuais do semanário O Pasquim, que revolucionou a imprensa brasileira) estivesse entre nós, amanhã, dia 19, no aniversário do mestre Chico, ele diria: “ todo dia é dia de Chico! Sim, dia de Francisco Buarque de Hollanda!!!”
Hoje é domingo, dia de macarrão, da família, do programa Brasil & Cia do nosso querido Cardosinho, do futebol, do silêncio dos Deuses, mas, também é dia de ouvir Chico e, ouvir muito. Amanhã, segunda feira, 19 de Junho, no aniversário de Chico, o Brasil continuará dormindo em berço esplêndido, talvez Deus nos fale pelos sonhos, ou, talvez, Ele tenha se esquecido da gente. De onde vêm nossos poetas, para onde vai o nosso povo? Esquecido em algum lugar do atlântico, o Brasil encara o mundo com desfaçatez.
Se, para os franceses, a literatura se casa com a filosofia; para nós, brasileiros, a canção popular se enlaça de corpo e alma com a literatura. E lê-se a música. As crônicas de Noel Rosa, a poesia de Vinícius, os aforismos de Caetano, os ditos de Caymmi, o sertão de Vandré, os sabiás e a flora de Tom Jobim, o coração de Milton Nascimento, e os outros poetas e cronistas e literatos da nossa canção popular.
O Chico não. Este é um demônio. Tem a idade das pedras, como diria Vinícius. É o gênio da raça, como diria Jobim. Cronista, poeta, dramaturgo, novelista, romancista, lírico, épico, trágico, lúdico, sarcástico, historiador, político, feminino, infantil. Um arquiteto da palavra. Chico Buarque de Holanda é, sobretudo, brasileiro. Gosta de samba, futebol e do Rio de Janeiro. Meu caro amigo, me perdoe, por favor, mas sinto até inveja. Além de tudo, é um maravilhoso músico. É mestre em entrelaçar a prosódia da melodia com a das palavras. As notas pingam sobre as sílabas e vice-versa.
Chico é diabólico, é filho das raízes do Brasil, é um esteta da Língua Portuguesa, essa esquecida língua dos anjos. De que lugar mesmo do atlântico? Talvez de algum lugar esplêndido e demoníaco. É gênio ao falar de um operário desiludido que comete o suicídio e ainda, por cima, morre na contramão, atrapalhando o trânsito. Ao falar de uma prostituta que salva a cidade do enorme zepelim, mas não escapa das pedras e das bostas do preconceito. Ao falar da moça feia debruçada na janela, achando que a banda tocava pra ela.
Ou, então, do amor partido, de um sangue que errou de veia e se perdeu; ou da mulher que espera o marido voltar bêbado do bar; da mãe que arruma o quarto do filho que já morreu; do guri que rouba uma bolsa já com tudo dentro pra encher de orgulho a sua mãe.
O Chico cronista fala do dia a dia do nosso país, o Chico político contestou (como ninguém!!!) a ditadura. O Chico amante descreve o amor cotidiano; o Chico malandro abusa do jeitinho brasileiro; o Chico poeta lapida a nossa Língua; o Chico historiador nos conta sobre Calabar e as mulheres de Atenas; o Chico sambista exalta o carnaval; o Chico humanista chora a gente humilde e os menores abandonados.
Chico é um demônio, tem a idade das pedras, e talvez seja a própria alma brasileira. Essa alma que não se deixa fustigar e, esquecida em algum lugar do atlântico, encara o mundo sempre com desfaçatez.
Amanhã é dia do Chico compositor, intérprete, poeta e escritor, Chico Buarque é hoje uma referência obrigatória em qualquer citação à música brasileira dos anos 60 pra cá. Sua influência é decisiva em, praticamente, tudo que aconteceu musicalmente no Brasil nos últimos 45 anos, pelo requinte melódico, harmônico e poético que suas obras apresentam.
Desde a fatídico ano de 1964, começou a se apresentar em shows de colégios e festivais e, no ano seguinte, gravou o primeiro compacto, com “Pedro Pedreiro” e “Sonho de um Carnaval”. Desde então, não parou mais de compor e se apresentar, participando de festivais internacionais de música, atuando no programa O Fino da Bossa, da TV Record. Ainda em 1965, musicou o poema “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, que fez enorme sucesso no Brasil e na França, para onde excursionou, arrancando elogios até mesmo do poeta João Cabral.
Com o Festival de Record de 1966, tornou-se conhecido no Brasil inteiro por sua música “A Banda”, interpretada por Nara Leão, que conseguiu o primeiro lugar (empatada com “Disparada”, de Geraldo Vandré e Theo de Barros).
Sua participação em festivais foi definitiva para a consolidação de sua carreira. Fez sucesso com “Roda Viva”, “Carolina” e “Sabiá”, e defendeu ele mesmo suas músicas “Bem-vinda” e “Bom Tempo”.
Em janeiro de 1969 deixa o Brasil e se apresenta na grande Feira da Indústria Fonográfica, em Cannes, na França. Parte depois para um auto-exílio na Itália…
Chico, 19 de junho de 1944, não tem idade. É eterno.
Parabéns.