Exatos três anos depois de ter ocorrido, o golpe que causou prejuízo imediato de mais de R$ 102 mil ao IMPSJ (Instituto Municipal de Previdência Social de Jales) continua sem solução. Ninguém foi punido e nenhum centavo foi ressarcido aos sofridos cofres da previdência dos servidores municipais. Tanto administrativa quando juridicamente, o caso está enrolado em filigranas jurídicas. A Câmara Municipal ignorou o escândalo. Uma sindicância foi instaurada pelo município e uma ação judicial foi aberta pelo Instituto contra o banco onde a autarquia tinha conta. Nenhuma delas teve resultado prático até agora e existe o risco real do crime prescrever e os pensionistas e aposentados ficarem com mais esse prejuízo.
De acordo com o processo, em setembro de 2018, o contador do Instituto começou a receber avisos sobe a necessidade de atualização do token da conta na tela do computador através do qual ele acessava o site do banco. Assim o fez. Dias depois, em 5 de outubro, uma mulher entrou em contato telefônico pedindo que ele acessasse um site específico e nele digitasse um número de série e a senha gerada pelo token.
O contador não sabia, mas estava instalando no seu micro um programa espião que permitiu aos golpistas o acesso aos dados bancários do Instituto de Previdência.
Horas depois, o próprio contador percebeu o registro de transferências bancárias para uma conta em nome de uma empresa do ramo de alimentação chamada Casa do Espetinho, localizada em Goiânia-GO.
Tinha sido realizada uma transferência bancária de R$ 49.278,00 e duas solicitações de resgate de aplicação financeira, de R$ 200 mil e de R$ 104.228,18. Essas últimas não foram concretizadas por conta do prazo obrigatório que os investimentos desse tipo exigem.
A ação judicial movida pelo IMPSJ contra o banco exige ressarcimento total de R$ 102.338,99. São R$ 54.975,58 referentes aos danos emergentes e R$ 47.636,412 referentes aos lucros cessantes.
Em primeira instância, a ação foi julgada procedente pela juíza Ana Paula Braquinho Pini, da 4ª Vara da Comarca de Jales.
Porém, no dia 7 de maio do ano passado, a 18ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) reformou a sentença, dando razão às argumentações da defesa do banco, que negou falha na sua segurança e sustentou que ocorreu culpa exclusiva do IMPSJ, já que a transação foi realizada mediante validação do Token, com a utilização de dados pessoais e intransferíveis de uso exclusivo do cliente.
“A transação somente foi realizada ante a facilitação da própria parte autora, quando forneceu os seus dados no momento do acesso ao site fraudado”.
O relator citou especialmente o contador do IMPSJ, Jorge Paulo Guzzo, que, segundo a sentença, teria agido de forma a colaborar para o desfalque.
“A conduta da parte autora (IMPSJ) foi causa eficiente do dano, por ter o seu contador atendido aos procedimentos recomendados por terceiro desconhecido, por telefone, e ter efetuado a atualização do sistema sem se cercar de cautelas necessárias. A alegação de que não autorizou a transação impugnada não exclui a sua responsabilidade pela facilitação da fraude em razão do fornecimento de seus dados bancários”, afirmou.
“Cabe dizer que o acesso aos dados pessoais da parte autora pode ter ocorrido de diversas formas, inexistindo nos autos prova alguma da sua disponibilização pelo banco ou da falha na prestação do serviço. Há a possibilidade de o computador do autor ter sido invadido, por falha de segurança do próprio apelante, no momento da alegada atualização, não sendo isso problema do banco”.
Essa não foi a única derrota do IMPSJ. Em seguida, seu procurador jurídico, Igor Santos Pimentel, entrou com Embargo de Declaração e um Recurso Especial, que foram rejeitados pelo TJ-SP.
Mais recentemente, o instituto interpôs um Agravo de Instrumento no STJ (Superior Tribunal de Justiça) visando ser recebido o Recurso Especial. Até o momento, o pedido está pendente de julgamento.
OMISSÃO
Segundo o superintendente do Instituto, Claudir Balestreiro, o Conselho Deliberativo e Fiscal da instituição aguarda o resultado da sindicância aberta pelo município para definir as providências. “A sindicância até apresentou um resultado pedindo abertura de processo contra o contador [responsável pelo terminal onde o golpe foi aplicado], mas ele entrou com recurso impugnando a decisão e atualmente o Instituto aguarda o resultado desse recurso”.
A reportagem consultou a Prefeitura para saber como anda a sindicância. De acordo com o secretário de Administração, Reginaldo Viota, o Departamento Jurídico negou provimento ao recurso e manteve a determinação da Sindicância para que o Instituto abra um processo administrativo para apurar as responsabilidades pelo rombo.
Ao contrário do que disse o superintendente, o Instituto já foi comunicado da decisão e precisa abrir o processo. Nos próximos dias o resultado do recurso será enviado ao Conselho Deliberativo e Fiscal do Instituto, que também já tinha pedido informações sobre o assunto.
A Sindicância está pedindo não apenas a abertura de processo para apuração das responsabilidades, mas também para apurar por que o caso não foi comunicado aos conselheiros, que só souberam do rombo através da imprensa. O superintendente, o procurador jurídico e o próprio contador teriam mantido o crime em sigilo por mais de um ano.
CASO NEBULOSO
O caso é recheado de pontos nebulosos e controvérsias e só chegou ao conhecimento público um ano depois de ter acontecido. Ainda assim através de uma denúncia anônima. Uma pessoa que usava um pseudônimo enviou um envelope com a cópia do processo para a imprensa e para órgãos públicos, como a Câmara Municipal.
Na ocasião, a superintendência do instituto negou que tivesse havido negligência do contador e culpou o banco por uma suposta falta de segurança.
O então prefeito Flávio Prandi Franco disse na época que “quem cometeu o erro não tem jeito de escapar. Ainda que ele consiga recuperar o desfalque, permanece o erro cometido”. “A punição terá que vir”, acrescentou.
Na mesma época, o presidente do Conselho Deliberativo e Fiscal, Luis Abra, disse que o Instituto não está passivo diante da situação. Segundo ele, em caso de derrota definitiva nos tribunais superiores, o culpado pelo desfalque será punido. “Nesse caso, nós vamos nos reunir de novo, fazer o levantamento e não teremos outra possibilidade do que enviar para a promotoria pública. Doa a quem doer. “Não tem como eu me furtar disso”.
DENÚNCIA ANÔNIMA
O caso aconteceu em outubro de 2018, mas só chegou ao conhecimento da imprensa mais de um ano depois e graças a uma denúncia anônima feita à imprensa e à Câmara Municipal.
O envelope pardo com a farta documentação foi postado nos correios em 14 de novembro e trazia como remetente Marcos Sempre de Olho, com endereço na Rua da Justiça, 171, Jardim Santo Expedito, CEP 15700-186 Jales-SP. O CEP pertence, na verdade, à Rua México, Jardim Ana Cristina, em Jales-SP.
Junto com a documentação, o denunciante fez uma série de acusações (que não reproduziremos aqui) e de questionamentos sobre a atuação do contador e do superintendente do instituto, tanto com relação à prudência no compartilhamento de senhas bancárias das contas do IMPSJ quanto com relação à ocultação da história por mais de um ano e pede providências para o ressarcimento das perdas.