O emaranhado político no Brasil é de uma complexidade shakespeariana. A História não deveria cansar a memória, e, sim, iluminar a razão.
Infelizmente, a memória brasileira está fatigada de um episódio coerentemente repetitivo: a corrupção. Oh!!!Poderes constituidos!!! Em tempos de golpe, Temerite e banalização da política, alguns castelos de areia são construídos em torno da ingênua fantasia de que existem partidos honestos. Velhos tempos…
De uma vez por todas, devemos entender que os políticos são tão corruptos quanto às instituições lhes permitem ser. Se não avançarmos com a reforma política, seguiremos à mercê de julgamentos meramente pessoais sobre a integridade dos candidatos.
Pouco antes de sua morte, Hobbes escreveu que o grande intuito dos poderosos era enfatizar em quem as pessoas deveriam acreditar.
O cenário atual politiqueiro, no qual políticos ressaltam a própria integridade e denigrem a idoneidade do adversário, corrobora essa visão. Encabeçada pelos próprios políticos, a mitificação ideológica é reforçada por proeminentes articulistas da mídia brasileira.
Não pretendo questionar o indispensável papel da imprensa investigativa (sic), mas, nos últimos dez dias, Globo, Folha, Estadão e outros “detritos de maré baixa” republicaram antigos vazamentos da Lava Jato contra o ex-presidente Lula. Notícias velhas foram requentadas e servidas como carne fresca a quem perdeu a memória dos desmentidos: uma sede do Instituto Lula que nunca existiu, uma rodovia na África e o acervo que Lula tem de guardar por força da lei. Isso se chama publicidade opressiva, violência inerente ao estado de exceção e essencial aos “julgamentos pela mídia”. Não pode ser coincidência. A ofensiva dos vazadores e seus repórteres amestrados seguem-se à ação da defesa de Lula, que levantou a suspeição de Sérgio Moro para julgá-lo, por perda da imparcialidade.
Essa é a notícia nova do caso, que a imprensa brasileira escondeu. Deu no New York Times, mas não saiu no Jornal Nacional. No entanto, essas caças – verdadeiras cruzadas marcadas por cega parcialidade e aversões pessoais contra determinados políticos – são de pouca utilidade. Ganham as manchetes, mas abrem mão do jornalismo, que é a busca da verdade.
A política não é coisa de santos.
Acreditar na existência de maniqueísmos como o do partido honesto contra o partido corrupto é querer acreditar em Papai Noel.
Efemérides:
Com o apoio de grande parte da população brasileira, o “caçador de marajás” anunciou o combate à corrupção. O final da história todo mundo conhece. A nefasta Máfia das Sanguessugas envolveu dez partidos políticos dos mais distintos espectros ideológicos. Há mensalões tucanos e mensalões petistas – não intencionando, contudo, justificar os graves escândalos em nível municipal, estadual e federal revelado neste Brasil brasileiro.
A Folha bem que podia trocar seu slogan de “não dá pra não ler” para o refrão (“lerê, lerê…”) da música “Vida de Negro” do Dorival Caymmi, que ficou na memória de todos pela novela “Escrava Isaura”… Seu editorial de segunda feira (18/07) cobrando a “modernização” a ferro e fogo das leis trabalhistas é um hino à escravatura. Não chegou a defender às 80 horas de trabalho semanais, como fez Robson Andrade, presidente da Confederação da Indústria dias atrás. Mas abre caminho para isso.
Diz que “as esperanças de prosperidade futura do país dependem de uma agenda de modernização institucional que estimule a produtividade e reduza o custo de fazer negócios”. Os baronatos da imprensa, que não dão conta de sustentar seus herdeiros perdulários – como gastavam depois que vinham de Coimbra os filhos dos barões do café e da cana há 130 anos! – querem algo como a escravatura e acham que o que jamais impediu o Brasil de se desenvolver nos 70 anos de direitos trabalhistas é que são o problema? O editorial saúda a intenção do golpista interino Michel Temer de reduzir estes direitos, logo após fazer o mesmo com a Previdência. É nessa ordem, tirar do aposentado primeiro; do trabalhador ativo, a seguir. E da saúde, e da educação…
Os indivíduos são bastante similares e, parafraseando Montesquieu, eles não são confiáveis no poder (quem não se lembra dos suínos em A Revolução dos Bichos?). Desta convicção, o filósofo concebeu a famigerada Teoria da Tripartição dos Poderes.
Para combater práticas ilegais, deveríamos confiar mais em instituições políticas que reduzam o livre arbítrio e menos em percepções subjetivas.
O emaranhado político no Brasil é de uma complexidade shakespeariana. O clima não dá conta dos momentos decisivos que vivemos. Quase como que nos acostumamos que um governo interino e golpista se ponha a desmontar o país. Quase que nos acostumamos que o STF veja as piores violações dos direitos constitucionais fundamentais como se não se tratasse de um STF, como se o país não tivesse um STF. E, no entanto, em poucas semanas, um novo tipo de ditadura terá se instalado no país, ou as forcas democráticas terão impedido isso e o Brasil terá que reconstruir seu sistema politico em outras bases, para que nunca mais ocorra o risco de um golpe desde dentro da democracia.
Políticos trocam de partido como trocam de roupa. Diariamente, traçam-se as mais absurdas coligações.
Na falta de disciplina partidária, parlamentares votam contra a própria legenda. E cabe ao eleitor a utópica tarefa de controlar os representantes. Precisamos acabar com a personalização do sistema político brasileiro, fortalecendo a fidelidade e a disciplina partidárias e reduzindo o número de partidos. Até quando?
PS – Quem é mais corrupto: quem aceita ou o quem oferece a propina?
PS1- Aquela que já é apontada como a maior delação premiada da história da República pode estar mais próxima do que se supõe. A aposta é do presidenciável Ciro Gomes (PDT) que manifestou em sua rede social a certeza de que ela virá. A razão é simples: com a desavença instalada entre o presidente interino, Michel Temer, e Eduardo Cunha, só restará ao ainda deputado fazer o que lhe sobrou para se manter na mídia e garantir um mínimo de instrumento de pressão: a delação premiada. Caso resolva falar, especula-se, setores importantes da República estarão sob-risco de implosão.
(*)Marco Antonio Poletto é gestor no Poder Judiciário, Historiador, Articulista e Animador Cultural.