Pelo menos dois municípios vinculados ao Cartório Eleitoral de Jales estão vivenciando um inusitado fenômeno que, nos últimos anos, tem sido mais comum em pequenas cidades nordestinas. Aspásia e Santa Salete vivem a estranha situação de possuir mais eleitores do que habitantes, de acordo com números do Cartório e do IBGE. Santa Salete foi, por sinal, o município que apresentou o maior número de novos eleitores nos últimos dois anos – 278, segundo o Cartório – superando inclusive Jales, que teve saldo de apenas 110 novos eleitores. Aspásia, de seu lado, terá 108 eleitores a mais que em 2014, crescimento que só foi menor que os de Santa Salete, Santa Albertina e Jales.
No caso de Santa Salete, os números do IBGE mostram uma estimativa de 1.523 habitantes em 2015, enquanto os números do Cartório Eleitoral, divulgados na semana passada, registram que o município tem 1.835 eleitores aptos a votar em outubro de 2016. Supondo-se que, neste ano, a população de Santa Salete tenha crescido no mesmo ritmo dos últimos anos, o município teria cerca de 300 eleitores a mais que o número de habitantes.
O fenômeno não é novo em Santa Salete, mas a diferença nunca foi tão grande: em 2000, a cidade contabilizava 1.379 habitantes e 1.393 eleitores, ou 14 eleitores a mais que os habitantes. Dez anos depois, em 2010, o Censo do IBGE contou 1.447 habitantes em Santa Salete, enquanto o Cartório Eleitoral registrava 1.352 eleitores, uma situação bem mais próxima da normalidade, com o número de habitantes superando a quantidade de eleitores.
Uma moradora de Santa Salete argumenta que, nos últimos dez anos, a cidade ganhou muitos moradores, mas os números do IBGE não confirmam essa tese. Entre o recenseamento de 2000 e a estimativa de 2015, o município ganhou apenas 130 novos habitantes. A moradora argumenta, também, que a cidade fez um trabalho de conscientização sobre o alistamento eleitoral entre os jovens de 16 a 18 anos, mas os números do Cartório mostram que, nos quatro últimos dias do prazo para regularização da situação eleitoral, Santa Salete ganhou 31 novos eleitores, sendo 27 deles por transferência e apenas 04 por alistamento.
No caso de Aspásia, o número de habitantes vem diminuindo nos últimos anos, enquanto o número de eleitores vem aumentando. Em 2000, o IBGE contou 1.861 habitantes, enquanto a estimativa de 2015 calcula que o município tinha, no ano passado, 1.848 habitantes, ou 13 a menos que há quinze anos. Na contramão, a quantidade de eleitores, que, em 2000, era de 1.851, subiu para 1.909 em 2016. As projeções indicam que Aspásia já tem 60 eleitores a mais que os habitantes.
Lei Eleitoral prevê revisão em algumas situações
A Lei Eleitoral n° 9.504/97, que regulamenta as eleições, prevê, em seu artigo 92, a exigência de revisão eleitoral nos casos onde o número de eleitores de um município seja superior a 65% da população projetada pelo IBGE. O percentual estabelecido pela lei já considera o caso daquelas pessoas que, apesar de não morarem mais no município, votam no local porque possui vinculação familiar e endereço fixo na cidade. A legislação, que já tem quase vinte anos, parece, no entanto ultrapassada, uma vez que a maioria dos municípios possui percentual de eleitores superior àquele previsto na lei.
Na 152ª Zona Eleitoral, que reúne Jales e outros 09 municípios, o menor percentual de eleitores em relação à população é registrado em Urânia (73%), que possui 9.135 habitantes e apenas 6.673 eleitores. Em Jales, com 48.922 habitantes e 37.800 eleitores, o percentual é de 77,2%, mais ou menos o mesmo percentual de Pontalinda e Paranapuã. Três municípios – Dirce Reis, Mesópolis e Vitória Brasil – possuem percentual superior a 90%. Em Santa Albertina, o número de eleitores (4.966) chega a 83% da população (5.971 habitantes).
Em Aspásia, o número de eleitores corresponde a 103,3% da população, mas o caso mais gritante é mesmo o de Santa Salete, onde a quantidade de eleitores corresponde a 120% da população. A Lei Eleitoral prevê revisões, ainda, nos casos em que o total de transferências de eleitores do ano em curso seja 10% superior ao do ano anterior. Santa Salete ganhou 63 eleitores entre 2012 e 2014, ao passo que, entre 2014 e 2016, ganhou outros 278, ou 340% a mais que o período anterior.
Justiça Eleitoral de Jales autorizou investigação de casos suspeitos
Informações obtidas pelo jornal A Tribuna junto ao Cartório Eleitoral de Jales dão conta de que pelo menos 29 casos suspeitos de possível fraude de domicílio eleitoral já estão sendo investigados. A chefe do Cartório, Maria Carolina dos Santos explicou que “as pessoas podem achar que situações como essa de Santa Salete pode ter ocorrido por negligência dos funcionários do Cartório, mas isso não é verdadeiro. É preciso deixar claro que – se o eleitor chega ao Cartório com todos os documentos exigidos – não podemos deixar de atendê-lo. O que nós podemos fazer é, nos casos suspeitos, alertar o eleitor de que ele está declarando que os documentos são verdadeiros e que, se ficar comprovado o contrário ele estará incorrendo em um crime”.
Ela explicou, ainda, que nas cidades pequenas muitos eleitores acabam indo embora atrás de oportunidade de emprego, mas não transferem o título de eleitor. “Isso não configura crime, mas nós não podemos afirmar, no caso de Aspásia e Santa Salete, que essa diferença entre o número de habitantes e eleitores esteja relacionada somente a isso”, disse Carolina.
De qualquer maneira, a chefe do Cartório já pediu à Justiça Eleitoral para que sejam investigados 29 casos suspeitos. “Nós não podemos deixar de fazer a transferência ou o alistamento, mas, com a experiência adquirida, podemos perceber quando uma pessoa está omitindo alguma informação. Nós selecionamos 29 casos suspeitos, enviamos uma informação ao juiz eleitoral, que, depois de solicitar a opinião do Ministério Público, autorizou a investigação. Já estamos expedindo os mandados de constatação para os oficiais de justiça”.
Ela disse que os funcionários do Cartório estranharam o grande número de transferências feitas mediante a apresentação de declarações de residência. “As pessoas podem comprovar a residência no município através de contas de luz, água, telefone, correspondência, etc., mas, estranhamente, muita gente preferiu apresentar uma declaração de residência, o que também é permitido. As suspeitas aumentaram porque muitas dessas declarações foram preenchidas com a mesma caligrafia”.
Outro detalhe mencionado por Carolina é que alguns eleitores, mesmo declarando morar em um determinado endereço há anos ou meses, quando perguntados não sabiam repetir o endereço. “Tinha gente que precisava ler num papel o endereço. Outros traziam o endereço escrito na própria mão e, quando perguntados, tinham que olhar a mão”.
Cidade da região de Nhandeara teve casos investigados
Em 2012, a pequena cidade de União Paulista, na região de Nhandeara, registrava 1.600 moradores e 2.100 eleitores. O caso foi investigado pelo Ministério Público Eleitoral e pela Polícia Federal, que checaram 190 endereços e certificaram que na maioria das residências os eleitores não tinham qualquer ligação com os endereços fornecidos à Justiça Eleitoral. Alguns eram endereços de bares, outros de casas vazias e muitos deles eram de residências nas quais os moradores nem conheciam os eleitores que forneceram aqueles endereços.
Segundo o experiente funcionário do Cartório, João Edson Rubelo, em Jales nunca houve nenhuma investigação parecida. “O único caso parecido, que eu me lembre, aconteceu na eleição de 1988, quando a polícia interceptou dois ônibus lotados de eleitores que vinham da região de Americana para votar em Jales. O caso virou um processo e, até hoje, rende alguma dor de cabeça a alguns dos envolvidos. Em São Francisco, que pertence à Zona Eleitoral de Palmeira D’Oeste, houve uma investigação e algumas pessoas foram penalizadas”, disse João.