Ao que parece eliminar o Ministério da Cultura já se confirma como um dos primeiro atos do governo interino do traidor e golpista Temer… sem debate ou consulta, uma canetada promoveu um retrocesso de 30 anos. O Ministério da Cultura foi criado em 1985 no calor da redemocratização do Brasil, e teve entre seus primeiros Ministros Celso Furtado. Furtado, aliás, não reconheceria esse PMDB de hoje – visto que enxergava na cultura a base de um novo tipo de modelo de desenvolvimento para o Brasil, mais amplo e generoso.
O Ministério da Cultura foi uma conquista da sociedade brasileira que saía de 20 anos de ditadura e, de certa forma, sinalizava o início de um acerto de contas do Estado brasileiro com seu passado autoritário. Na ditadura, a cultura era exatamente subordinada à educação. Era coerente com o interesse de controle e doutrina sobre a vida cultural brasileira. Felizmente, a ditadura não conseguiu controlar a cultura, que fez a diferença na resistência política ao regime.
A diluição das políticas culturais no Ministério que zela constitucionalmente pelos gigantes problemas educacionais brasileiros virá na contramão das grandes democracias mundiais e será um baque profundo: terá impacto especialmente para a produção cultural brasileira, dos grandes centros, do interior, em todas as regiões. Haverá impacto para todas as linguagens artísticas, para as políticas de leitura, patrimônio cultural, e nas populações quilombolas, indígenas, que passaram a se relacionar com o MinC na última década. Para as políticas de valorização da diferença e respeito às liberdades religiosas e comportamentais.
O MinC ganhou enorme importância e visibilidade nos últimos 13,5 anos, graças às gestões Gilberto Gil e Juca Ferreira. A pasta realizou políticas públicas bem sucedidas, republicanas e de grande alcance social e artístico. Áreas como audiovisual, culturas indígenas e direitos autorais ganharam enorme impulso. Até artistas que não simpatizam com o governo reconhecem os avanços do MinC. Os governos do PT foram de inegável liberdade de expressão, mesmo os críticos reconhecem.
Ninguém foi perseguido por ter opiniões contrárias ao governo e a democracia foi plenamente respeitada. Artistas de todas as visões ideológicas tiveram acesso aos apoios, aos fundos e à Lei Rouanet. Seu orçamento cresceu comparativamente, indo muito além de gerir a lei de incentivos fiscais. O MinC passou a incentivar a diversidade cultural, a dialogar com os projetos indígenas, a realizar centenas de editais, e regular a economia do audiovisual e dos direitos autorais. O duro retrocesso, no primeiro mandato de Dilma, gerou grande comoção política, levando ao acertado retorno de Juca ao MinC no segundo mandato.
O que se destrói num decreto, demora-se muitas vezes uma década para reconstruir. O acúmulo de uma organização, seja pública ou privada, leva enorme tempo para se (re)construir.
Cortar ministérios pouco contribui para as contas públicas, muitos estudos já apontam. O corte é mero aceno ideológico, não será um ato em beneficio da saúde econômica de governo… e em se tratando do Ministério da Cultura, cujo orçamento é pequeno, o impacto nas finanças é irrisório. É ato de natureza política.
Além disso, o setor cultural foi um dos primeiros a denunciar o enorme desprezo pelo voto e pela democracia que marcou esse processo de impeachment de Dilma, e mais importante, reuniu milhares de pessoas, não apenas simpatizantes ao governo, mas artistas que se manifestaram pela defesa da democracia e contra os arbítrios de Eduardo Cunha.
Por tudo isso, a implosão institucional da estrutura funcional do MinC, de servidores, da estrutura de pareceres e análises, é passaporte seguro para o clientelismo, para a falta de critérios, para o balcão e cooptação que marcou as relações Estado e cultura até o fim do século passado. Obviamente nada disso será dito, pois o discurso pra fora será de “austeridade” fiscal. Mas não nos enganemos em relação ao recheio. O corte de uma instituição vital para o Brasil por um governo que nasce com legitimidade questionada é um grande equívoco, e que lança uma grande incerteza em direitos básicos da população, inclusive em liberdades e garantias.
Com a destruição da pasta cultural, o governo dará um presente a setores hoje regulados economicamente pelo MinC, como o ECAD. Diminuirá a capacidade de regular, garantir transparência e fiscalizar as enormes distorções na distribuição de direitos de autor. O Ministério é hoje um ator importante para a busca de justiça econômica em temas como o marco civil da internet, no florescimento produção audiovisual independente, na ampliação do mercado de TV a cabo para milhões de brasileiros (até 2010, sem os novos marcos, predominava a TV aberta). Ou seja, ECAD, empresas de telefonia e radiodifusão poderiam ser beneficiadas com a extinção do Ministério.
Enquanto as grandes democracias do mundo reforçam hoje suas políticas para a cultura – pois sabem que a cultura é economia poderosa – o Brasil pode abrir mão de seu acúmulo institucional no setor e retomar paradigmas obsoletos. Não apenas pela eliminação do MinC, mas por ausência de uma política para o setor.
E se não bastasse todas estas razões nada republicanas, vale concluir: o MinC é uma instituição que tem enorme escuta, que dialoga e debate, que polemiza. Está em seu DNA ser assim, pois essa é uma característica da área cultural. Um governo de perfil autoritário não gostaria de lidar com tais polêmicas. O debate é característica da democracia. Collor deu uma resposta semelhante e foi preciso quase uma década para reconstruir.
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(*)Marco Antonio Poletto é gestor no Poder Judiciário, Historiador, Articulista e Animador Cultural.