O Ministério Público Estadual de Jales ajuizou na terça-feira, 8, uma nova Ação Pública por Ato de Improbidade Administrativa em que a ex-prefeita Eunice Mistilides Silva, a Nice, aparece como uma das acusadas. Dessa vez, a denúncia oferecida pelo promotor Horival Marques de Freitas Júnior, envolve a aquisição de uniformes escolares pela administração municipal em 2013. Os uniformes foram confeccionados pela empresa Hebrom Distribuidora e Confecções Ltda, de Campo Mourão(PR).
De acordo com a denúncia, o procedimento licitatório aberto pela Prefeitura de Jales, que resultou em um contrato firmado em maio de 2013, no valor de R$ 385 mil, “revelou-se um engodo, pois, na realidade, desde o início já se tinha um vencedor certo”. Depoimentos de empresários do ramo confirmam a tese do MP. Os representantes de pelo menos três empresas disseram que não participaram da licitação em função das exigências do edital, que continha cláusulas restritivas. O dono de uma dessas empresas, aqui de Jales, revelou que não participou da licitação porque “o edital era atípico, talvez por estar direcionado”.
Depoimentos de membros do Conselho Municipal de Educação e de diretores de escolas confirmam as suspeitas de direcionamento. Elas participaram, em janeiro de 2013, de uma reunião no gabinete da prefeita onde foram apresentados os uniformes que seriam adquiridos pela municipalidade. A reunião teve a participação de dois representantes da Hebrom Confecções Ltda, que viria a ser, quatro meses depois, a vencedora da licitação. A presença dos dois representantes foi negada, posteriormente, pela direção da empresa e por eles próprios, mas a participação de ambos na reunião foi confirmada por testemunhas, que fizeram o reconhecimento através de fotografias. Além disso, o próprio ex-chefe de gabinete da prefeita, professor Roberto Timpurim, confirmou que os dois representantes da Hebrom já tinham visitado Nice para mostrar seus produtos.
A diretora de uma escola estadual disse à promotoria que não gostou do modo como foi conduzida a reunião, pois deu a entender claramente que os uniformes seriam vendidos pela empresa que estava expondo os modelos “Achei a dinâmica da reunião muito estranha… Tive realmente a impressão de direcionamento da licitação… Não houve lavratura de ata; se houvesse, eu não assinaria por conta do direcionamento…”, testemunhou a diretora. Outra testemunha disse que durante a reunião, “a prefeita deu a entender que aqueles seriam os uniformes que seriam comprados… Era um kit que já veio montado… Não havia opção”.
Para o promotor, “não restam dúvidas de que a empresa Hebrom, desde o início, já tinha sido escolhida pela Prefeita para fornecer os uniformes”. Ele garante que “o edital foi elaborado e publicado com descrições e exigências que tinham por objetivo garantir que a Hebrom fosse a vencedora do certame”. Além do direcionamento, o promotor suspeita que a qualidade dos uniformes – principal justificativa para os preços cobrados pela empresa – não era das melhores. O MP apurou que pelo menos 1.800 peças vieram com defeitos e tiveram que ser consertadas.
Na opinião do promotor, “os réus – Nice e a empresa – se esqueceram da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, efetuando atos ilícitos em detrimento da comunidade”. Por isso mesmo, ele está pedindo a responsabilização de ambos pelos atos de improbidade praticados pela prefeita. O MP está requerendo, entre outras coisas, que seja declarada a nulidade do processo licitatório e que os réus sejam condenados a indenizar os cofres públicos, além da suspensão dos direitos políticos e da proibição de contratar com o poder público.
A Tribuna foi a primeira a denunciar caso dos uniformes
O jornal A Tribuna foi o primeiro órgão da imprensa local a levantar suspeitas sobre os valores gastos com os uniformes escolares adquiridos pela Prefeitura de Jales em 2013. Na edição de 26 de maio daquele ano, o jornal publicou matéria informando que, logo no seu primeiro ano de mandato, a prefeita Nice Mistilides gastaria R$ 430,8 mil com uniformes escolares, valor superior ao total gasto pelo ex-prefeito Humberto Parini em seus últimos cinco anos de mandato. A administração do petista tinha gasto, de 2008 a 2012, cerca de R$ 336 mil com uniformes, uma média de R$ 67,2 mil por ano.
Na edição seguinte, o jornal mostrou que a Prefeitura de Jales gastaria cerca de R$ 120,00 por aluno, enquanto São José do Rio Preto, por exemplo, gastaria R$ 80,00 por aluno, mesmo entregando um par de tênis e dois pares de meias, itens que não integravam os uniformes comprados pela administração Nice. Além da diferença de preços, o jornal apurou que a Prefeitura estava comprando mais de 5.000 agasalhos de frio para distribuir nas escolas municipais, apesar de possuir apenas 3.500 alunos em sua rede de ensino.
Depois das reportagens de A Tribuna, assessores da prefeita Nice Mistilides e representantes da empresa ganhadora da licitação reuniram-se com vereadores, na Câmara Municipal, para explicar que a diferença de preços era decorrente da “melhor qualidade” do produto. Além disso, a Prefeitura providenciou uma redução no número de uniformes adquiridos, diminuindo o valor do contrato para cerca de R$ 384 mil. Mesmo assim, o valor continuava bem acima da média dos últimos anos.
Em investigações preliminares, MPF constatou irregularidades
Além das apurações do Ministério Público Estadual e da Câmara Municipal, os uniformes adquiridos por Nice foram alvo, também, de uma investigação do Ministério Público Federal(MPF). O MPF apurou, entre outras coisas, que os preços pagos pela Prefeitura de Jales nos uniformes escolares de 2013 ficaram muito acima dos valores que o FNDE e a Controladoria Geral de União(CGU) utilizavam como parâmetro. Na ocasião, o procurador federal Gabriel da Rocha, constatou que, além dos preços exorbitantes, os uniformes apresentaram defeitos, que foram confirmados por uma diretora de escola. Ainda de acordo com a investigação do MPF, os consertos de muitos uniformes teriam sido realizados por agentes municipais, quando a empresa tinha a obrigação de entregar os uniformes em perfeitas condições.