Terça-feira, Novembro 26, 2024

A maturidade traz em si a verdadeira liberdade

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 “A maturidade nada mais é do que o entendimento de si e a disposição de se transformar. Isto é libertador”, disse o Velho enquanto procurávamos cogumelos em uma floresta próxima ao mosteiro depois de uma noite de chuva. O sol brilhava por entre as folhas, lambia nossos rostos e aquecia na manhã ainda fria. “Entender quem somos nossas dificuldades e belezas, permite que deixemos para trás o que em nós não serve mais e abre a perspectiva de inventar o que queremos ser. Este é o poder do Caminho”, complementou. Um belo rouxinol pousou em um galho de uma árvore próxima e nos presenteou com uma pequena sinfonia, só encontrada nas matas. Depois alçou voo. Comentei que todos gostariam de ter asas como os pássaros para alcançar as alturas. Ele retrucou de plano: “Pássaros voam por determinismo biológico. As asas da liberdade são metafóricas, fruto da sabedoria e do amor, flor das escolhas que se faz a cada passo do Caminho”.  Falei que Mahatma Gandhi certa vez, quando preso, comentou que há homens mais livres nas celas no que vagando pelas ruas. O velho retrucou: “Gandhi era um iniciado, uma alma antiga e iluminada. Claro que não falava das mentes sombrias que enveredaram pelas raias da criminalidade e da ignorância. Ele se referia à liberdade do pensar desperto dos preconceitos e condicionamentos culturais e sociais. A liberdade de pensar além; de perceber que as mais cruéis prisões são aquelas que não têm grades”. Parou um pouco e concluiu: “Liberdade é muito mais do que o direito de vagar a esmo pelas ruas ou levar uma vida completamente descompromissada. Isto, em geral, caracteriza os foragidos da vida. Estes costumam estar aprisionados no pior dos cárceres, a própria consciência. A verdadeira liberdade traz em si a responsabilidade. A responsabilidade por suas escolhas e compromissos. Temos compromisso com tudo que amamos e na medida que ampliamos a nossa esfera amorosa crescem as nossas asas, nos permitindo voos cada vez mais altos. Nossas asas têm o tamanho de nossos corações. As nossas escolhas, por sua vez, geram consequências e temos que nos responsabilizar por elas. A serenidade deste entendimento, ainda que isto signifique mais esforço e trabalho, pois cada qual terá os desafios próprios ao seu aprendizado, chama-se maturidade”. 

O Velho se calou, estava encantado com alguns cogumelos que havia encontrado ao pé de um enorme carvalho. Eu ainda metabolizava as suas palavras, quando ele tornou à carga: “A liberdade é uma poderosa ferramenta evolutiva, pois está diretamente ligada às suas escolhas, que, por sua vez, definem e aprimoram a alma do viajante. Não esqueça, entretanto, a evolução exige esforço, determinação e coragem para enfrentar os desafios e semear o bem nos territórios áridos da existência. A responsabilidade com todos que nos cercam é o próprio compromisso com o Caminho, sem o qual não haverá liberdade nem evolução. Viver este conceito com alegria se chama maturidade”. 

À noite jantamos no mosteiro uma saborosa sopa feita com os cogumelos colhidos pela manhã. Depois, me afastei absorto em minhas reflexões, quando o Velho se aproximou e quis saber o que me ocupava os pensamentos. Disse-lhe que pensava nas consequências de cada escolha que fazemos pela vida e dos compromissos que acabamos por assumir. Quis saber qual o limite da responsabilidade. Ele me convidou para caminhar e comentou: “Disse o poeta que temos o sentimento do mundo e duas mãos. Façamos o nosso melhor a cada dia nos limites da nossa capacidade de amar e do nível de consciência que temos. E que no dia seguinte nos seja permitido amar, entender e fazer um pouquinho mais. Assim é o Caminho. Você perceberá que ele muda na medida em que transforma a sua maneira de andar”.  Questionei sobre aquelas pessoas que se negam aos compromissos. “Coitado daquele que não tem com quem se preocupar. Isto apenas revela o indivíduo que vive a ilusão de pensar que liberdade é descompromisso, que vaga desorientado pelo deserto do desamor, perdido no vale da solidão.”. Fez uma pequena pausa e prosseguiu: “Esse indivíduo espiritualmente ainda está na infância, se nega a crescer e deseja viver apenas pelo prazer. Ainda não entende a amplitude e o poder do amor. O sofrimento será inevitável, pois em algum momento perceberá que se tornou refém do seu egoísmo e encarcerado na própria solidão. Só amor cria vínculos eternos e atribui sentido à vida. Portanto, como se vê, amar em toda a sua amplitude não é um exercício destinado aos fracos”. Com calma, explicou que no universo há Leis Não Escritas, inexoráveis na regência da conduta de tudo e todos. Uma delas é a que a vida reage na exata medida das atitudes de cada um. Não por punição, mas por lição. A dor não é a única maneira de se aprender, mas o último recurso do Caminho para corrigir uma rota que leva ao abismo. Com certeza todas as sinalizações anteriores foram ignoradas por esse viajante. Como um pai zeloso que não abdica da melhor educação para o filho, a Vida encontrará um jeito de fazer o sujeito refletir e, então, Entender (a sabedoria da lição), Transformar (a si próprio), Compartilhar (amar incondicionalmente) e Seguir (a infinita viagem). É indispensável dulcificar o ser. Desta maneira, cedo ou tarde, a depender das escolhas pessoais, todos conseguem fechar seus ciclos de aprendizado e evolução.  Perguntei-lhe qual o limite da liberdade. O velho monge sorriu como se esperasse a pergunta e falou com seu jeito doce: “A verdadeira fronteira é a dignidade. Sem honestidade no trato com os outros, e conosco, todas as demais virtudes apodrecem por envenenar a árvore. O florescimento da dignidade aperfeiçoa as escolhas, ferramenta no qual cada um exercerá a sua liberdade. Você se define a cada escolha que faz”. Insisti em como saber a melhor escolha. O Velho fechou os olhos e disse: “ Você escolhe por amor ou fará a escolha errada. Entender isto é ter maturidade para prosseguir no Caminho”. Pensou um pouco e finalizou: “O amor é a fita que entrelaça os corações livres e despertos. O amor é o verdadeiro compromisso e a única ponte para a felicidade. Não há outra”.

Outros textos do autor em www.yoskhaz.com

 

(*)Marco Antonio Poletto é Gestor no Poder Judiciário, Historiador, Articulista e Animador Cultural

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