A humanidade vive, desde os primórdios, esbanjando chavões, expressões sintéticas do pensamento, ora dotados de excelente sabedoria, ora contaminados pela mais aguda mediocridade. Vários intelectuais defendem a repetição de frases e pensamentos, alegando o direito das pessoas serem respeitadas dentro de suas limitações, porque incapazes de estender o raciocínio para uma linha superior de conversação. Conheço muitos educadores, filósofos, psicanalistas e sociólogos, estudiosos da racionalidade e das emoções, que defendem a tese que o recurso ao chavão é um estado de acomodação mental e social, resultante de vários fatores, começando pela falta de estímulo na utilização da expressão cerebral desde a infância.
Para nosso desconforto cultural, temos a certeza que o povo brasileiro vive num patamar de reflexão abaixo da linha média, insuficiente para se conectar no eixo dos países mais avançados do mundo. Povo teoricamente bem humorado e famoso no exterior por sua alegria, liderada pelo famoso carnaval brasileiro, também tem seu lado colérico, criando o contraditório nessa propalada cordialidade. Basta assistirmos, diariamente, o noticiário das televisões, para descobrirmos, no cotidiano brasileiro, a violência generalizada que desmente todas as teses do passado em relação à cordialidade brasileira. A racionalidade, produzida pelo pensamento, e as emoções, geradas pelos instintos, são a base principal de uma vida social saudável, desde que expressadas por um povo que saiba utilizar o pensamento para entender a vida e sensibilidade para senti-la na plenitude. Mas o povo brasileiro, recorrendo aos chavões, vive fugindo dos debates fundamentais da cidadania, necessária para uma vida civilizada. E um dos principais chavões da “sabedoria” popular, já velha no domínio público, diz que não se deve discutir política, futebol e religião. Discordo, radicalmente, desse pobre chavão, porque devemos discutir, intensamente, a questão política, pois ela é a ciência do poder e afeta totalmente nossa vida, porque passaporte principal para a organização da sociedade. Ser alienado político é ficar à margem da história ou refém das circunstâncias.
Também se deve discutir futebol, porque é uma atividade que envolve dinheiro público e fascina a população masculina do Brasil o ano inteiro, inclusive as mulheres na copa do mundo. E discutir a falta de educação de jogadores, técnicos, juízes e toda cartolagem corrupta do futebol, geradores de maus exemplos para as crianças. O elemento lúdico que deveria prevalecer num campo de futebol é substituído por jogadores que não sabem cantar o Hino Nacional, passadores de agressividade e violência para as crianças. Quanto mais se discutir esse assunto, mais defesas serão armadas contra os vigaristas do futebol e também se alerta a população pra pensar em outras coisas, ajudando-a se libertar da escravidão cotidiana do futebol. Religião também deve ser discutida, sim, principalmente agora que surgiram os falsos profetas da Teologia da Prosperidade, pregadores da tese de que quanto mais dinheiro der para a igreja, ou seja, para o bolso deles, mais chance de, através da fé, receber cem vezes mais. E os incautos caem no golpe, ouvindo dos pastores, quando reclamam que não tiveram o retorno material do dinheiro investido, que faltou fé! E todos os dias, no Brasil inteiro, abre-se uma nova porta da Teologia da Prosperidade, lesando os pobres e miseráveis que só conseguem comunicar através de chavões. Isso precisa ser discutido pela sociedade, através de todas as instituições. Portanto, política, futebol e religião, além de muitos outros assuntos, como meio ambiente, saúde, educação, convivência, etc., precisam ser discutidos, através do racionalismo inteligente e das emoções positivas, principalmente pelos formadores de opinião e pela mídia isenta. Agora, uma coisa difícil de ser discutida, é o bom gosto, pois se trata de um toque personalizado, muito íntimo. Para alguém possuir bom gosto, específico ou generalizado, precisou de berço, formação sólida, afeto, orientação, imagens, paisagens, estradas. Como cobrar de alguém, carentes de tais predicados, o mesmo bom gosto? Afinal, bom gosto reflete a história completa das pessoas, mostrando que é muito difícil rasgar as páginas do livro da vida. Mas sempre é possível lapidar as pedras brutas, como acontece no cotidiano dos garimpos. E a educação num ambiente de convivência saudável é um poderoso instrumento de lapidação das pedras brutas que reduzem o poder do pensamento e o avanço sensível das emoções. Tenho muitos amigos que detestam música vazia, caso do brega sertanejo que hoje domina o Brasil inteiro. Coisa que o povo de bom gosto menos sofisticado adora de paixão! É muito importante respeitar as preferências de mau gosto, porque faltou às pessoas oportunidades para aprimorar o bom gosto. Assim posto, sem pranto e sem desgosto, fica carimbado que bom gosto não se discute, mas se dialoga.
*Marco Antonio Poletto é Gestor no Poder Judiciário, Historiador, Articulista e Animador Cultural