Em um áudio ao qual a reportagem do jornal A Tribuna teve acesso, a protetora pré-candidata a vereadora de iniciais R.J.P.S. acusada de obter senhas de castração de animais com o objetivo de repassar para seus eleitores confirma que acionou uma manicure cujo nome tem inicial J* para retirar senhas de castração em seu nome, provavelmente para burlar as medidas tomadas pela Unidade de Zoonoses contra o mal uso das senhas. “Este mês a J* vai pegar um monte de senha no nome dela, vai me entregar e eu vou entregar para as pessoas porque eu tô com uma lista de senha aqui”, confessa a um interlocutor não identificado. Aparentemente trata-se de uma mensagem de voz enviada por aplicativo de mensagem, como WhatsApp.
Em outro trecho da mensagem, a protetora R.J.P.S. admite o esquema para desviar a atenção do seu nome.
“A gente vai jogar tudo no nome da J. Eu estava combinando com ela pra fazer isso para não sair nada no meu nome porque no mês passado saiu tudo no meu nome, mas no próximo mês vamos jogar tudo no nome da J, nada no meu nome. Vou pegar só as duas senhas que eles entregam para as protetoras (…) se outra pessoa pegar no nome dela, eu posso distribuir para as outras pessoas”, calcula.
A própria protetora já admitiu em suas redes sociais a obtenção e distribuição das senhas para pessoas de sua relação. Em janeiro passado, R.J.P.S. postou uma foto com um cão no colo e a legenda: “Adquiro senhas no Zoonoses para castrar animais abandonados e de pessoas de baixa renda. Nem sempre posto por falta de tempo”.
COMPRA DE VOTOS
A prática pode não ser ilegal, mas pode configurar oferecimento de vantagem para eleitores por candidato a cargo eletivo, tipificado como compra de votos. Além do mais, trata-se de claro uso do dinheiro público para vantagem pessoal.
O vereador Deley Vieira, que acaba de se filiar ao partido da protetora, disse por telefone que chamou a atenção da mulher sobre a possibilidade da prática prejudicar a legenda como um todo, caso a situação seja questionada na justiça eleitoral.
A prática pode configurar compra de votos. A captação ilícita de sufrágio (compra de votos) é ilícito eleitoral punido com a cassação do registro ou do diploma do candidato e multa, de acordo com o artigo 41-A da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), e inelegibilidade por oito anos, segundo o artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90 (Lei de Inelegibilidades).
O ilícito de compra de votos está tipificado no artigo 41-A da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997). Segundo o artigo, constitui captação de sufrágio o candidato doar, oferecer, prometer ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma.
Além da Lei das Eleições, o Código Eleitoral tipifica como crime a compra de votos (artigo 299) e prevê pena de prisão de até quatro anos para aqueles que oferecem ou prometem alguma quantia ou bens em troca de votos, mas também para o eleitor que receber ou solicitar dinheiro ou qualquer outra vantagem, para si ou para outra pessoa (artigo 299).
ENTENDA
O caso foi revelado pelo Jornal A Tribuna em sua edição do dia 14 de abril. Em matéria intitulada “Senhas para castração são usadas para barganha e compra de votos”.
De acordo com a publicação, algumas pessoas estão se aproveitando dos excedentes de castrações gratuitas de animais na Unidade de Zoonoses de Jales para distribuir senhas para pessoas que não se enquadram nos requisitos determinados. A principal envolvida é uma candidata a vereadora que teria até assediado alguns tutores presentes na fila para obter as senhas excedentes e entregar para seus eleitores.
Ela estaria se aproveitando de uma brecha no sistema de distribuição de senhas que dá direito de cada cidadão retirar senhas para duas castrações. Para obtê-las é preciso comparecer na Unidade de Zoonoses no último dia de cada mês. Contudo, na grande maioria das vezes, o cidadão castra apenas um animal na mesma ocasião. A senha que sobra é obtida pelas protetora usada como ferramenta de barganha eleitoral.
O médico veterinário Carlos Eduardo Geraldelli disse que tem tomado várias medidas para evitar a prática, que desvia o escopo do programa de castrações, criado para pessoas que não têm condições de pagar pela castração em clínicas particulares. Não raro, segundo ele, são levados para castração animais de raças caras como, shitizu, e de servidores públicos em cargos graduados ou até de mesmo pet-shops, onde posteriormente são vendidos já castrados.
A reportagem apurou que em várias ocasiões a pré-candidata a vereadora assediou os ocupantes da fila para obter deles as senhas excedentes. Como a atitude foi coibida pela própria Unidade, ela montou um esquema para que a sua assessora de inicial J* arrecade as senhas em seu nome e entregue para ela posteriormente.
“O objetivo da Prefeitura ao oferecer as castrações gratuitas é atender as pessoas de pouco poder aquisitivo que não têm possibilidade pagar pelo procedimento em clínicas privadas e aquelas pessoas que cuidam de animais abandonados, mas elas têm se queixado que não conseguem as senhas porque outras pessoas levam várias e distribuem para quem tem dinheiro para pagar. Tem gente que chega aqui de caminhonete para fazer castração gratuita que deveria ser para a população carente. A gente sabe que essas pessoas de maior poder aquisitivo nunca estiveram aqui para retirar as senhas e que podem pagar pelo procedimento”.
Carlos diz que tem tomado medidas para coibir a concessão de senhas de forma indevida para pessoas que não precisam e para uso diverso do inicial. Mas pode restringir a concessão para apenas uma senha para cada tutor. Assim, ficaria mais fácil identificar quem pega a senha para entregar a terceiros e quem realmente castra os animais.