Domingo, Novembro 24, 2024

Vereadores vivem rotina de churrascaria rodízio e hotéis de luxo em viagens oficiais

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 Um vereador chegou a pagar R$267,80 para almoçar com o motorista numa churrascaria rodízio onde uma refeição completa custa R$69,90. Boi Bom, de Rio Preto, Apalossa’s, de Nova Odessa, e Pau Seco, de Araraquara, são paradas frequentes

Começamos esta matéria sugerindo uma reflexão a você, caríssimo leitor: qual foi a última vez que você saboreou um rodízio completo em uma churrascaria de Rio Preto, Araraquara, Nova Odessa ou São Paulo? Em alguma ocasião você já desfrutou de um famoso Virado à Paulista em um restaurante turístico na capital? Tirando a sua Lua de Mel, qual foi a última vez que pernoitou em um hotel chique com restaurante, academia e café da manhã no quarto? Pois saiba que essa é a rotina de alguns dos vereadores de Jales durante as viagens oficiais, que, apesar de bastante onerosas, são quase absolutamente inúteis.

Nesse roteiro nababesco, as churrascarias Boi Bom, de Rio Preto, e Apalossa’s, de Nova Odessa, e o restaurante Pau Seco, de Araraquara, são paradas obrigatórias. Nessas casas são servidas as mais nobres carnes e queijos e lá os vereadores de Jales costumam fazer suas paradas em viagens à São Paulo.

Os números, e datas que você vai ver a seguir são oficiais, públicos e foram extraídos dos relatórios de viagem disponíveis no site da Câmara Municipal. Não há notas fiscais disponíveis para comprovar as despesas.

Segundo esses relatórios, no dia 9 de fevereiro, portanto apenas três dias depois do início deste ano legislativo, dois vereadores e o motorista da Câmara, gastaram exatamente R$ 300,00, num almoço na Boi Bom, em Rio Preto. Em termos comparativos, um filé mais caro do Clube do Garfo, em Jales, custa R$ 105,00 e serviria os três com fartura, já que vem acompanhado de arroz e batata frita. Com o dinheiro despendido na churrascaria rodízio, daria para cada um comer um filé inteiro com arroz e batata frita.

Mas não fica por aí. O preço de cada rodízio completo na Boi Bom é R$ 72,90. Ou seja, mesmo que os três tenham pedido cada um uma bebida (não alcoólica, claro), dificilmente a conta ficaria em redondos R$ 300,00 ou exatos R$ 100,00 para cada um. Despesas de alimentação geralmente resultam em valores fracionados e incluem até os centavos. Raramente valores inteiros, exatos e redondos.

No dia 16 de maio, um vereador e o motorista pagaram R$ 256,30 para almoçar na churrascaria Apalossa’s, de Nova Odessa. Entramos em contato com a churrascaria que informou que o rodízio completo naquele estabelecimento custa R$ 69,90, o que resultaria numa despesa total de R$ 139,80 por dois rodízios. Difícil entender como duas pessoas que não bebem álcool gastaram mais R$ 126,30, além do valor que consta no cardápio do estabelecimento.

O Restaurante e Lanchonete Pau Seco, em Araraquara, também é parada constante para que os nossos vereadores possam recuperar a energia em suas utilíssimas viagens. Na verdade, trata-se de um gigantesco e confortável rodoposto localizado no km 277 da rodovia Washington Luís. Lá o almoço custa R$ 39,90 e o jantar custa R$ 33,00. Se optassem pelo self-service, teriam à sua disposição mais de 100 opções, entre pratos quentes, frios, sobremesas e até comida japonesa. O buffet completo custa R$ 58,00 por pessoa. Mas, quase inexplicavelmente, os nossos vereadores preferiram gastar R$ 109,50 num lanche.

Apesar do preço, parece que a refeição não saciou a fome dos viajantes. Poucas horas depois, Elder, Bruno e Luciano gastaram R$ 283,99 para almoçar no restaurante Salada Record, na Avenida São João 719, em São Paulo. Trata-se de uma tradicional casa localizada na República, que funciona desde 1958. A feijoada completa sai a R$ 35,00 e o seu tradicional Virado à Paulista sai por R$ 32,00. O filé à parmegiana  sai por R$ 49,50 com arroz e um acompanhamento à escolha do cliente. Os valores são de 2021. O restaurante já foi tema de incontáveis reportagens em grandes jornais como o Agora São Paulo e propaga que tem o melhor e mais tradicional Virado à Paulista de São Paulo.   

Segundo o relatório, o motivo da viagem foram “assuntos inerentes a Projetos de Lei criados naquela metrópole, voltados à área de proteção e defesa do consumidor, de relevante interesse ao município de Jales”. Apesar de alegar que “o conteúdo deverá ser replicado em nosso município”, não se tem notícia de que a viagem que custou R$ 1.879,64 aos cofres municipais tenha resultado em alguma proposta de lei, requerimento ou coisa parecida.

No dia 16 de maio, Pau Seco voltou a aparecer no relatório da viagem novamente feita por um vereador, na companhia do motorista da Câmara. E, novamente, o roteiro de paradas foi parecido. Saíram de Jales às 6 horas, pararam no Pau Seco para abastecer (R$ 224,93) e para lanchar (R$ 122,50). Poucas horas depois almoçaram no Salada Record, pagando R$ 172,00 em duas refeições.

À noite, depois de um longo dia de trabalho nos gabinetes de dois deputados estaduais na Assembleia Legislativa, pernoitaram no hotel América do Sul, pagando a modesta quantia de R$ 406,00.

Na volta, abasteceram R$ 147,40 no Autoposto 5300, na Capital, pagaram R$ 256,30 para almoçar no Apalossa’s, em Nova Odessa, e voltaram a abastecer no Rodoposto Rubi, em São Carlos, pagando R$ 105,95.

Também chama atenção a disparidade das despesas. Numa mesma viagem, o vereador e o motorista gastaram na Lanchonete Pau Seco, R$ 78,00 na ida (19 de junho) e R$ 107,00 na volta (20 de junho) e já tinham gasto R$ 109,00 no dia 9 de fevereiro.

CARONA DE VEREADOR DA REGIÃO

Uma das viagens que mais chamaram a atenção da nossa reportagem aconteceu no dia 13 de junho. Os leitores vão se lembrar. Trata-se do rumoroso dia em que um vereador jalesense deu carona para um vereador de Palmeira d’Oeste, no caro oficial da Câmara de Jales. Na justificativa da viagem, o jalesense escreveu: “também acompanhará o deslocamento o vereador à Câmara Municipal de Palmeira d`Oeste, responsável pelos agendamentos das audiências, o qual custeará suas despesas, sem qualquer ônus ao legislativo jalesense”.

Não está disponível no site da Câmara o relatório da viagem (despesas com refeição, combustível e hospedagem), mas o Ministério Público obteve os números através de ofício. (veja texto nesta página).

Segundo esse relatório, ao qual o jornal A Tribuna teve acesso, a viagem do vereador e motorista de Jales, e o vereador de Palmeira D´Oeste (que pagou todos os seus custos) custou aos cofres da Câmara de Jales a módica quantia de R$ 1.976,84. Durante dois dias (partiram às 5h40 do dia 13 de junho e retornaram às 20h55 do dia 14) o nobre edil visitou apenas o gabinete de um deputado e a Secretaria Estadual de Educação, onde protocolou pedidos diversos.

Apesar de pouco produtiva, a viagem incluiu dois abastecimentos apenas na ida (R$ 206.75 no Posto Pupim, em Jales, e R$ 159,82 no Autoposto Pau Seco em Araraquara). Também no Pau Seco pagaram um “lanche” que custou R$ 150,00 apenas para o vereador e o motorista.

Poucas horas depois, já em São Paulo, o vereador e o motorista, fizeram duas refeições. A primeira no restaurante TFP custou R$ 178,30 (apenas para os dois) e a segunda novamente no Salada Record custou R$ 247,40 (apenas para os dois).

Na viagem de volta, no dia seguinte, fizeram dois abastecimentos (R$ 220,91, em São Paulo, e R$ 137,78 no Pau Seco, em Araraquara).

Apesar de terem chegado a Jales às 20h55, o vereador e o motorista alegam que fizeram apenas uma refeição naquele dia. O custo? Modestos R$ 267,80 na churrascaria Apaloosa’s. 

CAFÉ DA MANHÃ NO QUARTO

Mas os relatórios mostram o uso generoso do dinheiro público também quando se trata de hospedagem, preferencialmente em hotéis luxuosos que dificilmente pagariam com o dinheiro do próprio bolso.

No dia 9 de fevereiro, os vereadores, além do motorista da Câmara, se hospedaram no Hotel Plaza Apolo, no Centro de São Paulo. O hotel é tão chique que oferece até café da manhã “buffêt” no quarto, se os hóspedes preferirem. Lá eles gastaram R$ 493,50 no dia mencionado, mas no dia 19 de maio, quando estavam apenas um vereador e o motorista, a dupla gastou R$ 317,50 num pernoite.

Diz o site do estabelecimento que é possível chegar ao centro de São Paulo em 10 minutos andando. O curioso é que o hotel fica ao lado do Rua Vinte e Cinco de Março, na Santa Efigênia, conhecido centro de compras de bugigangas revendidas em lojinhas nas cidades do interior. Mas fica muito mais distante da Assembleia Legislativa e da Câmara de São Paulo, destino oficial da viagem.

Os quartos no Hotel Plaza Apolo São Paulo têm toques modernos como frigobar, TV LCD e janela saliente. Os quartos oferecem vista para a cidade, e em alguns quartos é possível usufruir de máquina de lavar louça, máquina de café/chá e fogão.

O trio até poderia ter almoçado no hotel, já que o estabelecimento luxuoso também conta com academia e restaurante, mas, novamente, viajou até Rio Preto para bater ponto na Boi Bom, a mais de 500km da Capital e saborear um rodízio completo de carnes e queijos. Tudo com o dinheiro do nosso IPTU.

Vereador diz que não determina locais de parada

Procuramos os dois vereadores para falarem a respeito. A ambos enviamos a mesma pergunta: “gostaríamos de saber do senhor como são definidos os locais de parada para refeição e hospedagem [nas viagens oficiais]. Se possível, saber quem faz a escolha. O senhor considera correto gastar tanto dinheiro em churrascarias rodízio? Não seria mais respeitoso com o dinheiro público se as refeições fossem feitas em estabelecimentos mais baratos?”

Um vereador respondeu que não tem ingerência sobre a escolha dos locais de refeição ou hospedagem. “Eu só passo o horário da reunião marcada. Não defino hotel e muito menos restaurante. Não tenho conhecimento de quem marca hotel. Pelo que sei é parado nos mesmos lugares há muitos anos”.

Enviamos os questionamentos para o outro vereador através da Assessoria de Imprensa, mas ele respondeu que não queria se manifestar.

Procurado o presidente da Câmara, Ricardo Gouveia disse que vai aguardar a publicação da matéria para analisar o conteúdo e decidir se cabem medidas sobre o caso.

Ministério Público pediu relatório completo dos gastos com viagens

No começo da tarde de terça-feira, 27 de junho, levamos as informações apuradas ao Ministério Público. O promotor Horival Marques de Freitas Júnior evitou falar em irregularidades, mas concordou que as despesas com alimentação poderiam ser mais módicas. Horival disse que abriu uma Notícia de Fato e iria pedir à Câmara as cópias de todos os relatórios de viagens desde janeiro de 2022 até agora.

“Em razão do material apresentado ao MP, decidimos registrar uma Notícia de Fato e vamos pedir todas as prestações de contas de janeiro de 22 até agora”.

Horival também vai apurar por que as cópias das notas fiscais das despesas não são mais publicadas no site da Câmara, como era até alguns anos atrás.

Na segunda-feira, 17, o promotor informou que tinha recebido a resposta da Câmara, mas ainda não tinha analisado os documentos.   

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