Uma liminar concedida pelo juiz Fernando Antônio de Lima, do Juizado Especial Cível e Criminal de Jales na quinta-feira, 9 de fevereiro, pode abrir caminho para uma nova enxurrada de ações judiciais contra a cobrança da taxa do lixo, assim como ocorreu no ano passado. A opinião é de advogados consultados pelo jornal entre a quinta e a sexta-feira.
A decisão é provisória e pode ser revertida pela Prefeitura. Nela o juiz argumenta que a nova “taxa do lixo” que passou a vigorar em 2023, isenta imóveis com metragem superior a 500 m², de proprietários teoricamente mais abastados que os com metragem inferior. Mas isso fere alguns princípios constitucionais e seria necessária nova lei, sem o vício da inconstitucionalidade, para que os imóveis com construção entre 71m² e 500 m² de área construída não sejam obrigados a pagar e para obrigar os imóveis com metragem superior a 500 m² a pagar a taxa do lixo.
“O tributo, ao que parece, não pode ser cobrado de quem tem imóvel construído entre 71 m² e 500 m². Nota-se que a lei municipal, em tese, favorece os imóveis com construção igual ou superior a 501 m² em relação aos imóveis com construção de 71 a 500 m². Assim, a lei seleciona pequenos grupos de pessoas presumidamente com maior poder aquisitivo e lhes confere um tratamento tributário privilegiado. Há, em tese, pela lei municipal referida, ofensa ao princípio da igualdade ou da não discriminação”, sustenta.
No entendimento do magistrado, a lei municipal considerou corretamente, que o preço unitário do serviço de coleta, remoção e tratamento do lixo corresponde a R$ 0,85 por m² de edificação. Imóveis com edificações de até 70 m² estão isentos. No entanto, a cobrança só pode atingir a quantidade de até 500 m² de construção. “Ou seja, um imóvel que tenha, por exemplo, 1000 m² de edificação pagará, apenas, por 500 m² de edificação. Isso, em tese, desrespeita o princípio da retributividade ou comutatividade das taxas porque o Poder Público deve cobrar o valor correspondente ao serviço público prestado. [Da forma como está] Um imóvel, com 1000 m² de edificação pagará um valor bem menor em relação a um imóvel entre 71 e 500 m² de edificação.
Pelos cálculos do magistrado, imóveis com construções maiores pagam proporcionalmente menos, inexistindo a correspondência entre o custo do serviço prestado pelo município e o preço pago por imóveis com construções maiores.
No início da decisão de 45 páginas, o magistrado aparenta irritação sobre a polêmica criada em torno da tributação, desde que ela começou a vigorar em janeiro do ano passado. “Parece um capítulo interminável no livro da taxa do lixo, no Município de Jales-SP. Um livro, cuja escrita não se encerra, por suposto vício na instituição desse tributo”.
Fernando Antônio de Lima explica que o debate começou com a vigência da Lei Complementar Municipal nº 350, de 13 de agosto de 2021, que instituiu três tributos: duas contribuições municipais de saneamento básico e uma taxa do lixo, que foram consideradas inconstitucionais em diversas sentenças proferidas pelo magistrado e mantidas pelas quatro Turmas do Colégio Recursal de Jales, e também, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Ainda segundo ele, as ações contra as duas contribuições basearam-se no fato de que o Município não tem competência constitucional para cobrar esse tipo de tributo.
Já a taxa do lixo, embora pudesse vir a ser instituída, foi instituída de forma inconstitucional porque tinha como base de cálculo, a metragem construída, mas aumentava o valor do m2 edificado conforme aumentava o tamanho do imóvel.
“Ora, a taxa serve para custear serviço público específico e divisível prestado a certo contribuinte. Isso significa que deve haver correspondência entre o valor do serviço prestado pelo ente público e o valor cobrado do contribuinte. Se o preço unitário do serviço é R$ 1,00 o m², esse valor unitário deve ser o mesmo para todos os imóveis”.
“Ao que parece, a nova lei teria um vício de inconstitucionalidade mais grave do que a anterior. Se, antes, quanto maior a edificação, maior era o preço do m², agora, quanto maior o imóvel, menor o preço do m². Isso significa que, se a lei anterior violava ‘apenas’ o princípio de constitucionalidade da retributividade das taxas, a lei nova parece, em tese, violar esse princípio e, também, o princípio da igualdade ou da não discriminação e o princípio republicano”, afirmou.
ATIROU NO QUE VIU
A liminar concedida pelo juiz de Jales foi motivada por um pedido feito por um advogado que pedia o adiamento da cobrança da taxa, que, segundo ele, não poderia estar vigorando menos de 90 dias após a sua promulgação.
“A parte-autora requer tutela antecipada de urgência, para que se observe o princípio da anterioridade tributária nonagesimal. Em outras palavras, pretende-se protrair o pagamento do tributo, de modo que a cobrança se dê após 90 dias da instituição do tributo”.
O contribuinte não pediu para deixar de pagar a taxa, mas apenas para que o pagamento fosse adiado para março, “podendo, contudo, a cobrança ser efetuada no mês seguinte já que a parte-autora deixou de requerer o não pagamento da taxa, vindo a pedir apenas a postergação do pagamento”.
“O pedido comporta deferimento. Não pela suposta violação ao princípio da anterioridade nonagesimal, mas, sim, pela aparente violação ao princípio da igualdade ou da não discriminação e ao princípio republicano. Assim, em tese, a taxa municipal do lixo, mesmo que observando o intervalo de 90 dias, da maneira em que instituída, não poderia ser cobrada de quem tem imóvel de até 500 m². A cobrança, ao contrário, poderia, sim, atingir aqueles que têm imóvel edificado de 501 m² em diante. Isso decorre, veremos, de uma falha, aparentemente insanável, contida na lei instituidora”, pontuou o juízo.