Domingo, Novembro 24, 2024

Entrevista da Semana Benedito Dias da Silva Filho procurador geral do município

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A Tribuna: Você tem uma sólida formação acadêmica, tem mais de uma graduação e tem pós-graduação, é o único negro integrante do primeiro escalão do Poder Executivo, portanto, uma exceção, até mesmo entre os advogados. Você não acha que a sua condição deveria ser mais comum, quer dizer, não deveríamos ter mais procuradores, promotores, advogados, delegados negros? 
Benedito Filho: Sim. Você tem razão. Infelizmente os negros ocupam pouquíssimos cargos públicos, daí a vigência e implantação da lei de cotas nos vestibulares e cargos públicos, que permitem a inclusão e acesso a esses cargos públicos. A esperança é que essas medidas legais surtam efeitos, para que possamos visualizar um cenário justo e igualitário, que seja possível observar que os cargos e funções públicas, estão sendo ocupados por todos e todas, independentemente da origem, raça, sexo, cor e idade.

A Tribuna: Já teve que enfrentar discriminação? Alguém da sua família enfrentou discriminação? Pode contar como foi? 
Benedito Filho: Eu tive a sorte de não enfrentar situações extremas. Indiretamente pode ter ocorrido, entretanto, superadas, em razão da necessidade de evolução e sobrevivência. 

A Tribuna: Isso trouxe alguma dificuldade para exercer as suas funções? 
Benedito Filho: Cursei Direito em Fernandópolis, na “Unicastelo”, financiada pelo FIES – Programa de Financiamento Estudantil do Governo Federal. Era a próxima, permitia viajar todos os dias. Durante a faculdade de Direito, tive a oportunidade de estagiar no Ministério Público do Estado de São Paulo, cuja vaga de estágio foi oportunizada através de processo seletivo público. Em relação à advocacia pública (Procurador Jurídico), ingressei no serviço público, também, através de concurso público. Quanto às nomeações para cargos e funções públicas, nem sempre somos a primeira opção. Daí a importância dos cargos e funções públicas, preferencialmente, serem preenchidas por servidores de carreira, integrantes do quadro, que prestaram concurso público, conforme percentuais mínimos previstos em lei, conciliando a técnica e a política. Algumas dificuldades, se existiram, sempre foram superadas mediante dedicação, conhecimento e aprimoramento.

A Tribuna: O que falta para que tenhamos mais negros ocupando cargos importantes no Executivo e Judiciário? 
Benedito Filho: Entendo que não basta ter reserva de vagas apenas para cumprir a lei, precisamos de políticas públicas de inclusão social, amparo e acompanhamento, de forma que sejam ofertadas oportunidades, condições igualitárias de preparação, acesso e permanência, capazes de tornar realidade essas políticas públicas afirmativas.

A Tribuna: Segundo balanço do TSE, Jales tem 38.572 eleitores, mas temos apenas um negro eleito nesta legislatura (Deley Vieira). Essa falta de representatividade é causada por falta de candidatos negros ou falta à população, especialmente os negros, entenderem a importância de aumentar a sua representatividade e eleger esses candidatos? 
Benedito Filho: Essa baixa representatividade remete ao contexto histórico do país, envolvendo questões sociais, econômicas e culturais, vivenciadas também pelas mulheres. Situação semelhante se verifica, também, nos clubes de serviços e associações (Lions Clubes, Rotary, Maçonaria), onde os quadros são minoritários, por vezes, inexistentes.  Acredito que as políticas públicas de inclusão social, também, devem ser praticadas nesse sentido, de conscientização sobre a importância de participar, eleger e ser eleito, de convidar e ser convidado, aceitar e ser aceito, nos diversos seguimentos da sociedade civil organizada, superando os preconceitos quanto ao poder econômico, à origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.  

A Tribuna: Algumas pessoas acreditam que os profissionais negros são mais exigidos, quer dizer, para alcançarem cargos superiores precisam comprovar maior capacidade, apresentar mais resultados e ter mais formação acadêmica. Isso procede? 
Benedito Filho: Sim. Infelizmente. Essa é a realidade de muitos que atuam no mercado de trabalho. 

A Tribuna: A diferença salarial e a discriminação na seleção de funcionários é uma realidade desfavorável aos negros no Brasil. Quando as pessoas negras são admitidas, raramente chegam aos cargos de comando. Uma das alternativas são os concursos públicos, nos quais a discriminação tem menor influência na seleção. Ainda assim, parece que o percentual de negros disputando os cargos ainda é menor que o percentual de negros na sociedade. Você acha que ainda falta confiança para enfrentar a disputa, informação sobre essas oportunidades ou as necessidades cotidianas são mais urgentes que os estudos preparatórios?
Benedito Filho: Não se trata de falta de confiança. O que falta é preparo, não basta ter oportunidade, precisamos de políticas públicas de inclusão social, amparo e acompanhamento, de forma que não sejam ofertadas apenas oportunidades, mas, condições igualitárias de acesso, preparação e disputa, capazes de equalizar e tornar realidade essas políticas públicas afirmativas. 

A Tribuna: Seu avô, “seu” Augusto, “vendia pipocas”, foi trabalhador rural, e, seu pai, mesmo trabalhando nas lavouras na adolescência, “se formou professor”, inclusive, através de concurso público, se tornou funcionário público. Graças ao emprego nos Correios, conseguiu dar estudo a você e às suas irmãs, sem o apoio que as prefeituras costumam atualmente conceder aos estudantes universitários, configurando mais uma vez uma exceção. Você acha que as cotas raciais poderiam ter facilitado essa trajetória? Você é a favor das cotas raciais.
Benedito Filho: Como se diz no Direito, “respeitados os entendimentos”, sou a favor das cotas. Na minha época de faculdade de Direito, ainda não existiam políticas de cotas. As cotas são ações afirmativas e inclusivas, visam superar a desigualdade racial e social em razão daquele longo período de escravidão no Brasil. As cotas demandam um conjunto de políticas públicas para que se tornem efetivas, ou seja, essa superação de desigualdade exige a implementação concomitante de políticas sociais, para que, além de acesso, sejam garantidas condições de permanência, preparação e conclusão, capazes de promover o acesso ao mercado de trabalho, em igualdade de oportunidades. O Art. 5º da Constituição Federal dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Essa igualdade impõe que as pessoas colocadas em situações diferentes, sejam tratadas de forma desigual, resultando no seguinte provérbio: “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. 

A Tribuna: Apesar dos avanços na legislação, os casos de racismo têm aparecido com mais frequência no noticiário. Toda semana temos vários casos de racismo e de injúria racial sendo mostrados. Nesta semana, uma jovem foi abordada de forma quase violenta em uma loja no Rio de Janeiro (cidade com grande parcela da população negra) e em Santa Catarina a polícia prendeu oito neonazistas. Você acha que tem havido apenas maior publicidade ou que os casos realmente têm aumentado? 
Benedito Filho: De fato, pode estar ocorrendo uma maior divulgação de casos. Isso repercute de forma positiva para que outras vítimas possam buscar e exigir seus direitos. A divulgação de casos pela imprensa, demonstra importante e relevante acesso à informação, fomentando o enfrentamento, conscientização e reparação dessas situações. 
       
A Tribuna: Se têm aumentado, por que?, já que a legislação está mais severa. Essa publicidade ajuda a combater ou a disseminar o racismo?
Benedito Filho: Eu acredito que esses acontecimentos estão sendo “mais divulgados”, e, quanto maior o acesso à informação, repercute no aparecimento formal dos casos de preconceitos e discriminação, em razão de um maior número de pessoas estarem buscando seus direitos, denunciando situações infelizmente comuns, entretanto, ocultas.

A Tribuna: Neste dia 20 de novembro várias cidades do Brasil celebram o Dia da Consciência Negra com feriado. Jales optou por não instituir o feriado e praticamente não celebra a data. Você não acha que o município deveria promover atividades escolares ou culturais alusivas à discriminação e à desigualdade racial?
Benedito Filho: Relembrar e comemorar a luta daqueles que romperam com a escravidão, certamente é louvável. Entretanto, acredito que todos os municípios deveriam instituir de forma permanente, políticas públicas de conscientização e orientação voltadas à educação infantil, desenvolvendo atividades escolares durante o ano letivo, promovendo e fomentando os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, tendo como objetivo o bem de todos, com alvo na eliminação de todos os preconceitos relacionados à origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.  

A Tribuna: Você acredita que a sua história (da sua família) pode servir de inspiração para outros jovens negros? 
Benedito Filho: Acredito. Eu e minhas duas irmãs, graças à nossa família, recebemos orientação, incentivos e fomos subsidiados, pelo esforço, trabalho e dedicação de todos os membros da família. Aproveitamos as oportunidades, concluímos o ensino superior e tivemos condições de aprimorar os conhecimentos, inclusive, através de cursos de especialização. Busquei outra graduação, mediante o ingresso no curso de Gestão Pública, ofertado pela Universidade Aberta do Brasil, nessa ocasião, através do sistema de cotas. Uma irmã, ingressou no curso de Direito, também pelo sistema de cotas. A outra cursou universidade pública, e ingressou no serviço público mediante concurso público. Eu tive a oportunidade de ingressar no serviço público, também, mediante concurso público. As políticas públicas e sociais são as ferramentas que devem orientar a transformação social e a mudança de paradigma, para que possamos ter uma sociedade justa, igualitária, livre dos preconceitos relacionados à origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.   

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