Luis Henrique Florêncio, 43 anos, o nosso Personagem da Semana, é ex-viciado, passou quase um terço da vida no sistema prisional por delitos diversos cometidos para sustentar o consumo de drogas, especialmente o crack. Porém, há 11 anos, debilitado por problemas de saúde causados pela droga e enxergando a face da morte, decidiu que deixaria de desprezar o que Deus lhe deu, passou dois meses em tratamento e se tornou homem de Deus e agora é diretor de um projeto social (Vidas Salvando Vidas) que acolhe usuários de drogas, como ele foi.
Atualmente, o apelido LH Zen não lhe representa mais. De “zen”, Luiz Henrique não tem absolutamente nada. É um homem extrovertido, falante, sorridente e envolvente, com um poder inato de liderança, qualidades que usa em suas palestras e lives no Facebook.
A “Mansão Power”, sede do projeto, fica na Rua Quatorze, 2441, no Centro, ao lado do Centro Pastoral, e está aberta à visitação.
A Tribuna: Você é ex-presidiário, ex-viciado e chegou a morar nas ruas. Foi por isso que você decidiu se dedicar a este trabalho?
LH Zen: Também. Muitas destas pessoas estão ali porque não têm força pra sair de lá. Eu passei por uma instituição, fui diretor de uma instituição clínica, que na verdade visava apenas o dinheiro e não a vida, então eu acho que queria uma casa para trazer as pessoas em situação de vulnerabilidade social e reabilitar, reeducar e ressocializar essas pessoas, sabendo por onde elas tinham passado e as drogas.
A Tribuna: Você acha que ter passado por essa experiência facilita seu trabalho atual?
LH Zen: Sim, na condução. O jeito de conduzir. Uns precisam de tratamento, outros precisam apenas de cuidados. Então conhecendo todo esse caminho a ser perseguido por eles…Este é um trabalho social. Eles não são privados de nada. Podem até trabalhar, continuam a vida, mas só que com cuidados especiais.
A Tribuna: Facilita na abordagem? A gente sabe que muitas vezes você vai aonde eles estão.
LH Zen: Sim, facilita na abordagem, na maneira da tratá-lo, na maneira de chegar e de sair.
A Tribuna: Qual o critério que você usa para definir como serão os resgates, quem você vai procurar, aonde você vai? É a família que pede pra você procurar essas pessoas?
LH Zen: Sim a gente recebe informações, pedidos e as vagas que a gente tem também. Atualmente, a casa cabe 20 pessoas e eu tenho 13, então eu vou atrás para buscar esses que faltam. Muitas vezes eles não vêm porque não têm força pra vir, então eu vou atrás. Por isso há essa abordagem. Onde eles estiverem eu vou lá dentro. Por exemplo, a Estação Ferroviária mesmo: tem pessoas lá dentro e eu vou lá direto. Atualmente temos aqui com a gente o irmão daquele rapaz que foi morto pela mulher. Lá no “fundão”, chamado de “mini-cracolândia, eu também paro e vou lá dentro. A gente consagra algo aqui e leva pra eles também. Aqui embaixo do viaduto também tem algumas pessoas e nós vamos lá quase todos os dias. Trazemos eles para cá, tentamos dar banho, alimentar…tentamos plantar esta sementinha no coração deles, pra que entendam que aqui é um lugar acolhedor. Tem o querer da pessoas porque se ela não quiser, não adianta
A Tribuna: Leva comida pra eles?
LH Zen: Não, não é levar alimento pra eles. O que prejudica, infelizmente é a ajuda na rua. A facilidade que as pessoas oferecem para mantê-los mais um dia na rua. As pessoas acham que vão fazer uma boa ação, mas não estão, Só estão ajudando eles a se manterem mais um dia na rua. Em vez de dar esmola ou levar alguma coisa que ajude eles a permanecer na rua, podem encaminhar para o nosso projeto. Isso vai ajudar na recuperação.
A Tribuna: Quando eles chegam ao projeto você verifica se eles têm alguma dívida na justiça?
LH Zen: Sim, aqui não é pra se esconder. A gente confere se a pessoa tem alguma coisa para pagar. Se tiver vai pagar e depois pode vir pra cá sem problemas, vai ser acolhido novamente aqui na casa.
A Tribuna: Você fala muito em Deus e se mostra bastante religioso. Você costuma pregar pra eles?
LH Zen: Todos os dias nós apresentamos a eles a Palavra do Senhor. Porque foi através da fé, da Palavra do Senhor que eu me libertei, que eu tive este real contato consciente com Deus. Não é só a Palavra, mas sim o contato consciente com Deus, que é o único caminho. Jesus é o caminho, a verdade e a vida. O resto é parede.
A Tribuna: Qual e o grau de importância que tem a religião na recuperação dos acolhidos? Pequeno, médio ou grande?
LH Zen: Muito grande. Você tem que ter uma religião de escolha. 90% disso aí você tem que colocar diante de onde cura e liberta. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que a doença é incurável, progressiva e fatal. É sim, mas no uso. Na parte espiritual ela tem cura, então a gente traz essa parte aqui pra dentro. Não impomos nenhuma religião, eu apresento a palavra e a religião dele é a de escolha. Não falamos de religião. Se ele gosta de ir à igreja católica, pois vá. Gosta de ir à umbanda, pois vá. Siga! Esse é o alicerce da gente, é a parte espiritual que é a cura.
A Tribuna: Tem um prazo médio de tratamento?
LH Zen: Olha, há casos que são vitalícios. A pessoa não tem família, não tem perspectiva de nada, mas tem pessoas que precisam de um dia. A chavinha vira ali na hora. Eu, por exemplo, precisei de dois meses. Depois de vinte e tantos anos de adicção, vinte e tantos anos de uso de drogas, eu tenho dois meses apenas de tratamento, Dia 12 de outubro passado agora fez 12 anos que eu estou limpo. Eu morei na rua, bebia até álcool de carro, tive duas tuberculoses, perdi 70% de um pulmão e fiquei dois meses de tratamento. Eu indico no mínimo nove meses
A Tribuna: Vocês contam com algum profissional, como psicólogo, por exemplo que dê assistência aos acolhidos?
LH Zen: Nós não temos condições de contratar um profissional, mas temos uma psicóloga e uma enfermeira que a gente chama de vez em quando e eles vem voluntariamente. Também temos o atendimento da saúde mental do município, pelo SUS, e o SAI que atende doenças sexuais que sempre que alguém precisa a gente vai lá. Somos um projeto social, sem fins lucrativos e não temos apoio nenhum, não temos condições financeiras.
A Tribuna: Você disse que tem 13 pessoas aqui atualmente. Essas pessoas precisam comer, você precisa pagar energia, água…enfim, como isso é custeado?
LH Zen: A gente vive de doação, colaboração de algumas poucas pessoas e fazemos rifas. Recebemos importantes colaborações do Grupo Benassi, que fornece frutas e legumes, e do Jé Lisboa (Jefferson Macedo Lisboa – BBM Frigojales) que fornece a proteína e nos ajuda com uma quantia em dinheiro que nos ajuda a manter algumas despesas.
A Tribuna: A recuperação envolve ocupação, trabalho, mas imagino que tenha muito preconceito e muita rejeição. Você tem conseguido encaixar alguém em alguma empresa?
LH Zen: O Jé Lisboa é uma pessoa sensacional, uma pessoa que nunca desistiu de mim. Ele diz que eu sou “mente pensante” e foi o único empresário de Jales que acreditou no trabalho da gente, ajuda o nosso projeto e abriu as portas pra gente. Eu fui encarregado de setor, tanto no frigorífico quanto na graxaria, e eu consigo perceber para onde determinada pessoa tem inclinação, então eu oriento para aquele caminho. Atualmente temos seis acolhidos trabalhando lá no frigorífico. Depois de seis meses, eles são contratados, então é uma fase pós-tratamento. Você leva um acolhido para uma instituição e ele tem que ficar privado (recluso) lá dentro por vários meses. Depois ele tem que ir para outro trabalho e acaba entrando no índice de desistência onde a cada 100, apenas 1 consegue. Isso é metodologia de trabalho.
A Tribuna: Eles são livres. Em outras instituições, a pessoa fica reclusa, não pode sair pra nada e tem visitas muito restritas.
LH Zen: Exato. Aqui, não. Aqui eles são livres, principalmente para pensar. Às vezes, alguém contrata para um serviço de jardinagem e poda que eles fazem com as ferramentas doadas pelo Jé Lisboa e ajuda a aprender uma profissão.
A Tribuna: Você cobra algum dinheiro, eles têm que pagar alguma coisa pra eles serem acolhidos aqui?
LH Zen: Eu deixo a critério deles. O dinheiro que eles recebem fica com eles. A liberdade é até pra gerir o próprio dinheiro. Aqui ninguém fica com nada deles. Se quiserem ajudar com alguma coisa, tudo bem. Mas a liberdade de usar o dinheiro é uma parte da recuperação. Mas a maioria não trabalha, está na rua há muito tempo, não tem nem família. Não cobro um real, mas todos ajudam quando podem. Eu os acolho porque eu acredito neles, acredito que eles têm recuperação, mesmo nos piores estágios. Olha o que aconteceu comigo,
A Tribuna: Você ficou preso por quanto tempo?
LH Zen: Fiquei preso por 15 anos, usava mais droga lá dentro do que aqui fora e hoje eu olho pra trás e não acredito que eu usei droga um dia, que eu passei por tudo isso na minha vida. Não é porque a pessoa usou droga que ela tem que ser maltratada, que a palavra dela não deve ter credibilidade. É cabeça erguida e voz alta. A mesma disposição que tinha para usar droga, para se acabar na vida, usa agora pra se recuperar. Levanta e vamos lá.