A pandemia de Covid-19 que se espalhou pelo mundo a partir do fim de 2019 tem mostrado como o ser humano continua surpreendendo o próprio ser humano. Mas algumas coisas vão muito além da compreensão, enquanto outras parecem só acontecer no Brasil.
Mais recentemente, o fenômeno dos “sommeliers de vacina”, como estão sendo chamadas as pessoas, que movidas por boatos espalhados por WhatsApp e Facebook, resolvem escolher qual vacina vão tomar.
O sommelier é o profissional responsável pelas bebidas (principalmente, mas não unicamente, vinho) no estabelecimento, que pode ser um restaurante, bar ou um comércio – loja ou importadora de bebidas. Assim, o sommelier é responsável pela escolha, compra, recebimento, guarda e pela prova da bebida antes que seja servida ao cliente.
O termo passou a ser usado para definir esse grupo de pessoas depois que o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, alertou que a prática de revacinação para escolha da vacina é crime e que essas pessoas podem ter que responder judicialmente por seus atos. “Não sejam sommeliers da vacina”, alertou.
Em Jales, a Prefeitura anunciou que todas as pessoas que se recusarem a tomar a vacina por não aceitar determinada marca terão que assinar um “termo de recusa” para evitar que as pessoas deixem de se vacinar em função da escolha do fabricante da vacina e para isentar a Prefeitura da responsabilidade.
A secretária da pasta, Nilva Gomes Rodrigues de Souza, explicou que será um termo simples, constatando que a Secretaria de Saúde ofereceu a vacina dentro do calendário, mas a pessoa se recusou a tomar.
A enfermeira Renata Forti Rachieli, responsável pela imunização em Jales, frisou que “cada recebimento de grade de vacina vem determinado para qual grupo de pessoas deve ser aplicado. Não podemos fazer reservas. Somente as gestantes e puérperas têm o direito de tomar uma vacina específica, já que elas podem se imunizar apenas com a CoronaVac ou Pfizer”.
Atualmente em Jales, as doses aplicadas são da Coronavac/Butantan, Oxford/AstraZeneca, Pfizer e Janssen. Em geral, a da Pfizer é a mais buscada nos grandes centros. A AstraZeneca é evitada por medo de trombose e a CoronaVac por não estar sendo usada em países da Europa e nos EUA, apesar de já ter sido aprovada para uso emergencial pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
No Brasil, a vacina da AstraZeneca não está sendo aplicada apenas em gestantes e puérperas, porque a gravidez já é um fator de risco (maior que a vacina) para o desenvolvimento de trombose.
Informalmente, a secretária Nilva explicou ao jornal A Tribuna que a secretaria não tem um número exato de pessoas que se recusaram a tomar determinada marca, mas disse que a equipe de vacinação tem visto pessoas entrando diversas vezes na fila de vacinação para tentar encontrar a vacina da sua preferência. “Às vezes vemos pessoas passando quatro ou cinco vezes na fila e desistindo quando chega na hora de vacinar e vê que não é a marca que elas querem”.
Os argumentos são os mais variados e vão desde a suposição que foi disseminada pelo presidente da República e seus apoiadores (de que a vacina é perigosa porque foi fabricada na China, mesmo país onde o vírus surgiu) até o medo da reação colateral. “Eu explico que não é verdade porque a Coronavac é fabricada em São Paulo, no Instituto Butantan, que tem reputação mundial e muita qualidade”.
Normalmente, os drives de vacinação em Jales estão aplicando as três marcas e não há como escolher. “Há muito tempo não estamos divulgando com antecedência qual vacina está sendo aplicada”. O cidadão só toma conhecimento da marca na carteirinha de vacinação.
Felizmente, a maioria das pessoas segue informações confiáveis e não se deixa influenciar por boatos espelhados pelas redes sociais ou aplicativos de mensagens. Aliás, as maiores das redes sociais estão lotadas de pessoas comemorando a vacinação e exaltando a chance de ter sido imunizada antes de ser alcançada pelo vírus, risco que continua correndo quem espera a marca de sua preferência.
EPIDEMIA
Não é só em Jales que a Prefeitura decidiu tomar essa decisão. A campanha de difamação contra as vacinas resultou em medidas contra os sommeliers da vacina em várias cidades do Estado de São Paulo.
Na Capital, em São Bernardo do Campo e em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, a pessoa irá para o fim da fila de imunização. Já em Rio Preto e Urupês, os chamados “sommeliers de vacina” terão que assinar um “termo de desistência” ou de recusa.