Um áudio que circulou pelo WhatsApp na manhã da última quinta-feira, 18 de março, mostra o que seria o relato de uma enfermeira que tinha acabado de sair do seu plantão na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Jales. A moça não teve o nome divulgado, mas a nossa reportagem apurou que o relato é verdadeiro.
Ao que tudo indica, o áudio foi transmitido incialmente para familiares da enfermeira, mas acabou extrapolando o destino e passou a ser transmitido para um número muito maior de pessoas. “Eu passei a pior noite de plantão da minha vida. Então vocês se olhem, usem máscara, usem gel, não façam festas e não se aglomerem de forma nenhuma”, aconselhou a profissional aos seus familiares.
“O que eu estou dizendo pra vocês é que eu tive uma noite de horror, de horror! Já tive noites ruins, mas igual a essa noite eu nunca tinha tido”, frisou.
Segundo ela, por volta de 2 horas, a unidade registrou a entrada de quatro pessoas “saturando”, que é o termo usado para se referir ao paciente que tem baixo nível de oxigênio no sangue, indicando perda significativa da capacidade respiratória. O nível considerado adequado é acima de 95%, mas a enfermeira relatou que alguns tinham apenas 55%. “Chegaram os quatro juntos e eu já tinha sete aguardando vaga no ‘repouso’, três entubados. Desses quatro que chegaram juntos, o médico precisava entubar e começou a pedir pelo amor de Deus que eu ligasse para a Santa Casa, pro diretor pra quem quer que fosse para arrumar respirador, bomba de infusão, monitor porque sem isso não tem como entubar um paciente”, contou.
“E foi isso que eu fiz: fiquei mais de hora ligando pra todo mundo. O único lugar que me ajudou foi o Hospital de Amor, onde o enfermeiro Paulo me emprestou um respirador top, duas bombas de infusão e um monitor e foi o que fizemos com um. Aí morreu uma senhora e nós colocamos o outro no lugar dela”, prosseguiu.
“Então vocês estão entendendo a gravidade da coisa? Eu passei uma noite de terror. Coisa que eu acho que vai piorar e vai morrer mesmo porque não tem vaga. Vocês pedem vaga, pedem e pedem e não tem. Eu fiquei desesperada de tentar ajudar essas pessoas e não poder. Digo a vocês: não pega [a doença] porque se pegar e complicar…”, alertou.
No fim da gravação, a enfermeira deixou no ar algumas questões para o raciocínio de todos. “Até quando eles vão emprestar? Vamos pedir mais pra quem? Eu sou uma pessoa calma, mas estou horrorizada, Estou agitada e nem sei o que vou fazer pra descansar. O que eu tenho a dizer pra vocês é que não tem o que fazer mais. Não tem! Então se cuidem.”
DEMANDA FORA DO NORMAL
O Hospital de Amor confirmou que emprestou o equipamento para a UPA, mas não pôde informar quantas vezes isso já ocorreu. “Sempre que podemos, na medida do possível, emprestamos, sim”, informou a assessoria do hospital.
O diretor do consórcio que administra a UPA de Jales confirmou os fatos relatados. Disse que no grupo citado pela enfermeira havia um homem de 37 anos, que conseguiu ser transferido para a enfermaria da Santa Casa, mas infelizmente, uma senhora de 67 anos que estava intubada na unidade não resistiu à espera por vaga em UTI e morreu durante a madrugada. Outros dois idosos, de 72 e 79 anos estavam intubados desde o dia 12.
“Não estávamos preparados para essa demanda porque aqui não é lugar de internação. É apenas para atender urgência e emergência e temos apenas quatro leitos para pacientes intubados, ou seja, quatro respiradores, quatro minitorres e bombas de infusão e raramente estão todos em uso. Mas agora está uma coisa absurda”, disse José Roberto Pietrobom, o Brigitão.
Segundo ele, o Consirj está tentando adquirir mais equipamentos, mas a pandemia tornou-os escassos no mercado.